segunda-feira, 19 de maio de 2014

Texto: Um Novo Espírito, e o Espírito de Deus - Andrew Murray


Um Novo Espírito, e o Espírito de Deus

(Andrew Murray)

 O Espírito de habitação foi, de fato, dado a cada filho de Deus.

 

 Deus revelou a Si mesmo em duas grandes alianças. Na velha temos o tempo da promessa e da preparação; na nova, o cumprimento e a posse. Em harmonia com a diferença entre as duas dispensações, há uma dupla obra do Espírito de Deus. No Antigo Testamento temos o Espírito de Deus vindo sobre as pessoas e trabalhando nelas em momentos e de maneiras especiais: operando de cima, de fora e de dentro. No Novo temos o Espírito Santo entrando nelas e habitando dentro delas: operando de dentro, de fora e por cima. Na anterior temos o Espírito de Deus como o Santo e Todo-Poderoso; na última temos o Espírito do Pai de Jesus Cristo.
 
A diferença entre as faces da dupla obra do Espírito Santo não deve ser vista como se, com o fechamento do Antigo Testamento, a antiga terminasse e, no Novo, não houvesse mais obras de preparação. De maneira nenhuma. Assim como houve no Antigo Testamento benditas antecipações da habitação do Espírito de Deus, também no Novo o duplo operar ainda continua. Devido à falta de conhecimento, fé ou fidelidade, o crente de hoje pode receber somente um pouco mais do que a medida do Antigo Testamento do operar do Espírito.
 
O Espírito de habitação foi, de fato, dado a cada filho de Deus, e ainda assim este pode experimentar apenas um pouco mais do que a primeira metade da promessa. Um novo espírito nos é dado na regeneração, mas podemos conhecer quase nada do Espírito de Deus como sendo uma pessoa viva que habita dentro de nós. A obra do Espírito de nos convencer do pecado e da justiça, em Sua direção ao arrependimento, fé e novidade de vida é a obra preparatória.
 
A glória distintiva da dispensação do Espírito é Sua divina habitação pessoal no coração do crente, onde Ele pode lhe revelar plenamente o Pai e o Filho. Somente quando os cristãos entenderem isso estarão aptos a clamar pela plena bênção preparada para eles em Cristo Jesus. Nas palavras de Ezequiel encontramos, surpreendentemente expressa em uma promessa, a dupla bênção concedida por Deus através de Seu Espírito. A primeira é: “... porei dentro de vós espírito novo...”; isto é, nosso próprio espírito será renovado e vivificado pelo Espírito de Deus. Quando isso estiver terminado, haverá a segunda bênção: “Porei dentro de vós o meu Espírito...” para habitar nesse novo espírito.
 
Deus deve residir em uma habitação. Ele teve que criar o corpo de Adão antes que pudesse soprar o Espírito de vida nele. Em Israel, o tabernáculo e o templo tiveram que ser terminados antes que Deus pudesse enchê-los. De maneira semelhante, um novo coração é dado e um novo espírito é posto dentro de nós como a condição indispensável para a habitação do próprio Espírito de Deus dentro de nós. Encontramos o mesmo contraste na oração de Davi; primeiro: “cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.”; e depois: “... nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51:1-11). Veja o que está indicado nas palavras “o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6) Aí está o Espírito divino dando à luz o novo  espírito. Os dois são também distintos: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16). O nosso espírito é o espírito renovado, regenerado. O Espírito de Deus habita em nosso espírito, ainda que distinto desse, mas testifica nele, com ele e através dele. A importância de reconhecer essa distinção pode ser facilmente percebida. Seremos, então, capazes de entender a verdadeira conexão entre regeneração e a habitação do Espírito. A primeira é a obra do Espírito Santo pela qual Ele nos convence do pecado, leva-nos ao arrependimento e à fé em Cristo, e concede-nos uma nova natureza. O crente torna-se um filho de Deus, um templo adequado para a habitação do Espírito. Onde a fé é exercida, a segunda metade da promessa será cumprida tão seguramente quanto a primeira. Entretanto, enquanto o crente olha somente para a regeneração e renovação trabalhados em seu espírito, não chegará à pretendida vida de alegria e força.
 
Mas quando ele aceita a promessa de Deus de que há algo mais que a nova natureza, que há o Espírito do Pai e do Filho para nele habitar, ali se abre uma maravilhosa perspectiva de santidade e bênção. Seu desejo será conhecer esse Espírito Santo, como Ele trabalha e o que Ele requer de nós, bem como saber como poderá experimentar Sua habitação e a plena revelação do Filho de Deus, já que esta é a obra que Ele deseja realizar.
 
Certamente, esta questão é frequentemente formulada: “Como são cumpridas essas duas partes da divina promessa? Simultânea ou sucessivamente?”. A resposta é muito simples: do lado de Deus a dupla dádiva é simultânea. Deus dá a Si mesmo e Tudo que Ele é. Assim foi no dia de Pentecostes: os três mil receberam um novo espírito pelo arrependimento e a fé; e no mesmo dia em que foram batizados receberam o Espírito de habitação como o selo de Deus sobre sua fé. Através da palavra dos discípulos, o Espírito realizou uma maravilhosa obra entre as multidões, mudando disposições, corações e espíritos. Quando, pelo poder desse novo Espírito que estava neles operando, creram e confessaram, receberam também o batismo do Espírito Santo.
 
Hoje, quando o Espírito de Deus move-Se poderosamente e a Igreja vive em Seu poder, os novos convertidos já podem receber, desde o início de sua vida cristã, o selo e habitação evidentes e conscientes do Espírito. Temos, todavia, indicações nas Escrituras de que pode haver circunstâncias, dependendo da unção do pregador ou da fé dos ouvintes, nas quais as duas metades da promessa não estão tão intimamente ligadas. Assim foi com os crentes em Samaria, convertidos após a pregação de Felipe (At 8.5-17), e também com os convertidos que Paulo encontrou em Éfeso (At 19:1-7). Nesses casos a experiência dos próprios apóstolos foi repetida. Eles foram reconhecidos como homens regenerados antes da morte de nosso Senhor (At 20.22), mas foi no Pentecostes que a outra promessa foi cumprida: “Todos ficaram cheios o Espírito Santo…” (At 2.4). O que foi visto neles – a graça do Espírito dividida em duas manifestações separadas – pode ocorrer ainda hoje. Quando nem na pregação da Palavra ou no testemunho dos crentes a verdade do Espírito de habitação é claramente proclamada, não devemos ficar admirados de que o Espírito seja somente conhecido e experimentado como o Espírito de regeneração, da nova vida. Sua presença e habitação permanecerão um mistério.
 
Mesmo quando o Espírito de Cristo em toda a Sua plenitude é derramado uma única vez como Espírito de habitação, Ele é recebido e apropriado somente na medida de fé alcançada pelo crente.
 
O Espírito primeiro opera de fora, sobre e dentro dos crentes em palavras e obras, antes que Ele habite neles e se torne sua possessão pessoal interna. Devemos fazer distinção entre o trabalhar e a habitação do Espírito. Geralmente se admite na igreja que o Espírito Santo não recebe o  reconhecimento que Lhe pertence como sendo igual ao Pai e ao Filho. Ele é, afinal, a pessoa divina unicamente através de quem o Pai e o Filho podem ser verdadeiramente possuídos e conhecidos. Nos tempos da Reforma, o evangelho de Cristo tinha que ser defendido do terrível equívoco que fez da justiça humana (boas obras) o terreno de sua própria aceitação. A salvação pela graça divina tinha de ser sustentada. Às épocas que se seguiram foi confiado o compromisso de edificar sobre esse fundamento e divulgar o que as riquezas da graça fariam pelo crente. A Igreja descansou alegremente naquilo que recebeu (salvação pela graça), mas o ensino daquilo que o Espírito Santo faz a cada crente através de Sua liderança, santificação e fortalecimento não teve o lugar que deveria ter em nossas doutrinas e vida. De fato, se revisarmos a história da Igreja, perceberemos que muitas verdades importantes, claramente reveladas nas Escrituras, foram desprezadas e esquecidas, mas apenas apreciadas por uns poucos cristãos isolados.
 
Oremos para que Deus, em Seu poder, conceda um poderoso operar do Espírito em Sua Igreja; para que cada filho de Deus possa provar que a dupla promessa está cumprida: “... porei dentro de vós espírito novo... porei dentro de vós o meu Espírito...”. Oremos para que retenhamos a maravilhosa bênção do Espírito de habitação até que todo nosso ser seja aberto à plena revelação do amor do Pai e da graça de Jesus Cristo.
 
Essas palavras repetidas de nosso texto: “dentro de vós; dentro de vós” estão entre as palavras-chave da nova aliança. A palavra traduzida como dentro não é uma preposição, mas a mesma que aparece aqui e em outras partes como “seu íntimo” e “pensamento íntimo” (Sl 5.9 e 49.11). “... porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim” (Jr 32.40). Deus criou o coração do homem para Sua habitação. O pecado entrou e o corrompeu. O Espírito de Deus empenhou-se em recuperar a posse. Na encarnação e expiação de Cristo a redenção foi obtida e o reino de Deus estabelecido. Jesus pôde dizer: “Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17.21). É dentro que devemos procurar pelo cumprimento da nova aliança, a aliança não de ordenanças, mas de vida.
No poder de uma vida eterna, a lei e o temor de Deus devem ser estampados em nosso coração; o Espírito do próprio Cristo deve habitar dentro de nós como o poder de nossas vidas. Não somente no Calvário, na ressurreição ou no trono deve ser vista a glória de Cristo, o conquistador, mas em nosso coração. Dentro de nós deve estar a verdadeira manifestação da realidade e glória de Sua redenção. Dentro de nós, no íntimo de nosso ser, está o santuário oculto onde a arca da aliança é aspergida com o sangue. Ela contém a lei escrita num manuscrito eterno pelo Espírito de habitação, e onde, através do Espírito, o Pai e o Filho vêm agora habitar.

O Mensageiro das Boas Novas - Ano XVI - No 227  
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