sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Texto: Fragmentos do livro: A Prática da Presença de Deus - Irmão Lourenço (Nicholas Herman)

  A Prática da Presença de Deus

Irmão Lourenço (Nicholas Herman)

Prefácio

Há mais de 300 anos, em um convento na França, um homem descobriu o segredo para viver uma vida de alegria. Com a idade de dezoito anos, Nicholas Herman vislumbrou o poder e a providência Divina através de uma simples lição que recebeu da natureza. Ele passou os dezoito anos seguintes, no exército e no serviço público. Finalmente, enfrentando uma "perturbação no espírito" que frequentemente ocorre na meia idade, entrou para um mosteiro, onde se tornou o cozinheiro e o fabricante de sandálias para sua comunidade. Porém, o mais importante, ali começou uma viagem de 30 anos que o levou a descobrir um modo simples de viver alegremente. Nos momentos difíceis como os atuais, Nicholas Herman, conhecido como o Irmão Lourenço, descobriu e aplicou uma maneira pura e simples de andar constantemente na presença de Deus. O Irmão Lourenço era um homem gentil e de espírito alegre, evitava ser o centro das atenções, sabendo que os entretenimentos externos "estragam tudo". Logo após a sua morte foram reunidas algumas das suas cartas. Frei José de Beaufort, representante local da arquidiocese, juntou estas cartas com as memórias de quatro conversas que teve com o Irmão Lourenço, e publicou um pequeno livro intitulado “ A Prática da Presença de Deus “ . Neste livro, Irmão Lourenço diz, simples e maravilhosamente, a forma de caminhar continuamente com Deus, com uma atitude que não nasce da cabeça, mas a partir do coração. Irmão Lourenço legou-nos um modo de vida que está disponível para todos os que buscam conhecer a paz e a presença de Deus, de modo que qualquer pessoa, independentemente da idade ou das circunstâncias que atravessem, possam praticarem em qualquer lugar e a qualquer momento. Uma das coisas agradáveis com relação à prática da Presença de Deus, é que este é um método completo. Em quatro conversas e quinze cartas, muitas das quais foram escritas para uma freira amiga do Irmão Lourenço, encontramos uma maneira direta de viver na presença de Deus, que hoje, trezentos anos depois, continua sendo prática.

I. Conversação
 
Vi o Irmão Lourenço pela primeira vez em 3 de agosto de 1666. Ele me disse que Deus tinha-lhe feito um favor singular quando se converteu na idade de dezoito anos. Durante o inverno, vendo uma árvore despojada de sua folhagem, e considerando que em breve voltariam a brotar as suas folhas e depois apareceriam às flores e os frutos, Irmão Lourenço recebeu uma visão da Providência e do Poder de Deus que nunca se apagou de sua alma. Esta visão o liberou totalmente do mundo, e incendiou nele um grande amor por Deus. Tão grande era esse amor que ele não podia dizer que tinha aumentado nos quarenta anos que se passaram. Irmão Lourenço disse que ele tinha servido a M. Fieubert, o tesoureiro, porém com tanta torpeza que quebrava tudo. Desejava ser recebido em um mosteiro pensando que ali poderia mudar a sua torpeza e as faltas que havia cometido por uma vida mais desperta. Ali ofereceria a vida e seus prazeres como um sacrifício a Deus, porém Deus o havia decepcionado, pois a única coisa que tinha encontrado naquele estado era a satisfação. Devemos reafirmar a nossa vida na realidade da Presença de Deus, conversando continuamente com Ele. Seria vergonhoso deixar de falar com Ele para falar e pensar em insignificâncias e em bobagens. Devemos alimentar e nutrir as nossas almas, enchendo-as com pensamentos enaltecidos sobre Deus, e isso nos encherá de grande alegria por estarmos dedicados a Ele. Devemos acrescentar e dar vida à nossa fé. É lamentável que tenhamos tão pouca fé. Em vez de permitir que a fé governe sua conduta, os homens se entretêm com devoções triviais, que vão mudando diariamente. Irmão Lourenço disse que o caminho da fé é o espírito da Igreja, e isso é suficiente para levar a um elevado grau de perfeição. E que devemos nos entregar a Deus tanto nas coisas temporais como nas espirituais, e procurar a nossa satisfação apenas no cumprimento de sua vontade, quer seja que Ele nos conduza a través do sofrimento ou através da consolação. Tudo deveria ser igual para uma alma verdadeiramente entregue a Ele. Disse que precisamos de fidelidade nos momentos de aridez espiritual, insensibilidade e tédio, coisas por meio das quais Deus testa o nosso amor por Ele; esses momentos são propícios para que façamos bons e eficazes atos de entrega, atos que devem ser repetidos com frequência para facilitar o nosso progresso espiritual. Dizia ainda que embora ouvisse diariamente sobre as misérias e os pecados que estão no mundo, estava longe de se surpreender, pelo contrário, ficava surpreso que não houvesse mais maldade, considerando-se os males que eram capazes os pecadores. Ele, entretanto, orava por eles. Mas sabendo que Deus poderia remediar os estragos que fizeram quando Lhe aprouvesse, ele não se deixava vencer por preocupações como estas. Irmão Lourenço dizia que para chegar à entrega que Deus requer, temos de vigiar atentamente todas as paixões que se misturam tanto com as coisas espirituais como com aquelas de natureza mais bruta. Se desejamos verdadeiramente servir a Deus, Ele nos dará luz com relação a essas paixões. No final dessa primeira conversa, Irmão Lourenço me disse que se o objetivo da minha visita fosse discutir sinceramente sobre uma forma de servir a Deus, que poderia ir vê-lo quantas vezes quisesse, sem medo de ser inoportuno. Porém se não era esse o caso, então não deveria visitá-lo mais.    
 
II. Conversação
Irmão Lourenço me disse que ele sempre era regulado pelo amor, sem atitudes egoístas. E desde que decidiu fazer pelo amor de Deus o fim de todas as suas ações, tinha encontrado motivos para estar muito satisfeito com seu método. Também estava satisfeito quando podia levantar uma folha seca do solo por amor a Deus, procurando apenas a Ele, e nada mais que Ele, nem sequer buscar os seus favores. Durante muito tempo esteve mentalmente angustiado por acreditar que seria condenado. Nem todos os homens do mundo poderiam tê-lo persuadido do contrário. Finalmente raciocinou consigo mesmo desta maneira: não estou envolvido na vida religiosa exceto por amor a Deus, e tenho me esforçado para fazer para Ele tudo que faço. Qualquer que seja aminha situação, quer esteja perdido ou salvo, continuarei sempre a trabalhar exclusivamente por amor a Deus. Pelo menos vou ter este direito, que até a morte terei feito todo o possível para amá-Lo. Durante quatro anos tinha ficado com esta angústia mental; e durante este tempo tinha sofrido muito. No entanto, desde aquele tempo havia vivido em uma liberdade perfeita e contínua alegria. Colocou seus pecados diante de Deus, tal como eram, para dizer que não merecia seus favores, mas sabia que Deus iria continuar outorgando seus favores abundantemente. Irmão Lourenço disse que, a fim de formar o hábito de conversar com Deus continuamente e de lhe mencionar tudo o que fazemos, a princípio temos de dedicar-nos a Ele com algum esforço: mas depois de um pequeno período, deveríamos encontrar que o seu amor nos move a fazê-lo internamente, sem qualquer dificuldade. Ele esperava que, depois dos dias agradáveis que Deus concedeu-lhe, teria um tempo de dor e sofrimento. Embora ele não estivesse preocupado com isso, sabendo muito bem que ele não podia fazer nada por si mesmo, Deus não deixaria de dar-lhe forças para enfrentar. Quando surgia a oportunidade de praticar uma obra bondosa, se dirigida a Deus, dizendo: "Senhor, eu não posso fazer isso a menos que me capacites." E então recebia forças mais do que suficientes. Quando havia falhado no seu dever, apenas confessava sua falta, dizendo para Deus: "Eu nunca poderia fazer diferente se me deixares entregue as minhas próprias forças. É você quem deve impedir a minha queda, e corrigir o que está errado." Após a confissão, já não sentia qualquer preocupação com o que foi feito. Irmão Lourenço dizia que com relação a Deus, temos de agir com a maior simplicidade, falando com Ele franca e claramente, e implorando sua ajuda em todos os nossos assuntos. Deus nunca havia falhado em conceder-lhe seu auxílio, e Irmão Lourenço o tinha experimentado com frequência. Ele disse que tinha sido enviado recentemente para Borgonha, para comprar a provisão de vinho para a comunidade. Esta tarefa lhe resultava muito pouco grata, porque ele não tinha qualquer inclinação para o negócio, e porque era coxo e não poderia lidar com o seu trabalho no barco, a não ser rodando sobre os barris. No entanto se entregou a essa tarefa e à compra do vinho, sem qualquer descontentamento. Ele disse que Deus se ocupou desse negócio, e o fez muito bem. Ele mencionou que no ano anterior tinha sido enviado para Auvergne com a mesma missão, e embora não pudesse dizer como, tudo tinha resultado muito bem. Da mesma forma cumpria com seu trabalho na cozinha (a qual por natureza tinha uma grande aversão), onde tinha se acostumado a fazer tudo por amor a Deus. Durante os quinze anos que havia trabalhado na cozinha, tudo tinha sido fácil, porque o fez com a oração e movido pela graça de Deus. Estava muito satisfeito com a posição que ocupavam agora, mas que estava pronto para voltar a anterior, devido à sempre estar agradando a Deus em qualquer condição, fazendo as coisas pequenas por amor a Ele. Para o Irmão Lourenço os momentos de oração, não eram diferentes dos que haviam sido no passado. Retirava-se para orar, de acordo com as diretrizes do seu superior, mas não queria esse tipo de retiro nem os solicitava, porque nem o maior trabalho lhe distraía da presença de Deus. Porque conhecia sua obrigação de amar Deus em todas as coisas; como ele havia se esforçado para fazê-lo assim, não necessitava que um diretor espiritual lhe desse uma ordem, mas sim, que necessitava de um confessor para lhe absolver dos pecados. Ele disse que era muito sensível com suas faltas, elas não o desanimavam. As confessava a Deus, sem dar nenhuma desculpa. Quando o fazia, com toda a paz, restabelecia a sua habitual prática de amor e de adoração. Irmão Lourenço não consultava ninguém sobre suas inquietudes mentais. Pela luz que lhe dava a fé, ele sabia que Deus estava presente, então lutava consigo mesmo tratando de dirigir todas as suas ações para Ele. Tudo o fazia movido pelo desejo de agradar a Deus, aceitando os resultados que se produziam. Ele disse que os pensamentos inúteis arruínam tudo, que as dores começam aí. Assim que percebemos a sua impertinência devemos rejeitá-los e voltar à nossa comunhão com Deus. No começo, frequentemente havia gasto o seu tempo de oração rejeitando pensamentos erráticos e voltando a cair neles. Nunca tinha regulado sua devoção por certos métodos como o fazem alguns. No entanto, inicialmente, tinha praticado meditação durante um tempo, mas depois havia deixado de lado de uma maneira quase inexplicável. Irmão Lourenço enfatizava que todas as mortificações corporais e outros exercícios eram inúteis, a menos que servissem para unir-se com Deus através do amor. Havia considerado bem isto. Constatou que o caminho mais curto para ir diretamente a Deus era exercitando o amor continuamente através de um exercício contínuo de amor, e fazendo todas as coisas por amor a Ele. Ele notou que havia uma grande diferença entre os atos do intelecto e os da vontade. Os atos do intelecto eram comparativamente de pouco valor. Os atos da vontade eram todos importantes. Nosso único dever é o de amar Deus e deleitar-nos nEle. Nenhum tipo de mortificação pode excluir um único pecado, se invalida o amor de Deus. Em vez disso, e sem nenhuma ansiedade, devemos esperar o perdão de nossos pecados que provem do sangue de Jesus Cristo, apenas esforçando-se para amá-lo com todo o nosso coração. Ele observou que Deus parecia ter concedido os maiores favores aos maiores pecadores, como se fossem monumentos comemorativos de sua misericórdia. Irmão Lourenço disse que as maiores dores ou prazeres deste mundo não podiam ser comparados com aqueles que ele havia experimentado nesse estado espiritual. Como resultado de tudo isto, só desejava uma coisa: não ofender a Deus. Ele disse que não carregava nenhuma culpa. Quando falho nos meus deveres, reconheço rapidamente, dizendo: "Estou habituado a fazê-lo assim. Nunca poderei mudar por mim mesmo. E se não falho, então dou graças a Deus, reconhecendo que isto vem de Deus ”.  
 
III.Conversação 
 

Irmão Lourenço disse-me que a base de sua vida espiritual tinha sido a aquisição pela fé de um alto conceito e valorização de Deus; e depois de terem sido adquiridos, já não tinha nenhum outro cuidado a não ser o de rechaçar fielmente todos os outros pensamentos, para poder assim fazer tudo por amor a Deus. Que quando não tinha nenhum pensamento sobre Deus por um tempo, não se perturbava, porque depois de ter reconhecido este fato lamentável diante de Deus, retornava a Ele com muito mais confiança. Ele disse que a confiança que depositamos em Deus honra ao Senhor enormemente, e faz descer sobre nós grandes graças. Que era impossível não somente enganar a Deus, mas também era impossível para uma alma sofrer durante muito tempo, se é que estava perfeitamente entregue a Ele e determinada a suportar qualquer coisa por amor a Ele. Desta forma o Irmão Lourenço havia experimentado frequentemente o imediato socorro da Graça Divina. E devido a sua experiência com a graça de Deus, quando tinha um trabalho para fazer, não pensava nele com antecedência, mas só quando chegava a hora de fazer, e encontrava como refletido em Deus (como em um espelho, evidentemente) tudo o que era adequado fazer. Quando os trabalhos externos lhe distraiam um pouco de seus pensamentos sobre Deus, uma lembrança fresca proveniente de Deus lhe enchia a alma, e assim era tão inflamado e transportado que lhe resultava difícil conter-se. Ele disse que estava mais unido a Deus em seu trabalho externo, que quando o deixava de lado para retirar-se a fazer as suas devoções. Sabia que no futuro teria uma grande dor física ou mental, e que o pior que podia acontecer era perder esse sentimento de Deus, que tinha desfrutado durante tanto tempo, mas que a bondade de Deus assegurava-lhe que não lhe abandonaria totalmente, e que lhe daria força para suportar qualquer mal que lhe suceder com a permissão de Deus. Portanto, não tinha nenhum medo. Não tinha tido a ocasião de consultar nada sobre seu estado. Que quando ele tentou fazê-lo, sempre tinha saído mais perplexo; e que como estava ciente de sua disposição de dedicar sua vida a Deus por amor a Ele, não tinha nenhum medo do perigo. Que a entrega perfeita a Deus era um caminho seguro ao céu, um caminho no qual temos sempre suficiente luz para saber nos conduzir. Que o principal da vida espiritual, é ser fiel no cumprimento de nossos deveres e negarmos a nós mesmos; e quando o fazemos desfrutamos de prazeres inefáveis: que nas dificuldades somente necessitamos recorrer a Jesus Cristo, e suplicar por sua graça, com a qual tudo chega a ser fácil. Muitos não crescem como cristãos, porque se agarram às penitências e exercícios particulares, mas negligenciam o amor de Deus, que é a meta de tudo. Que isto se manifesta claramente por suas obras, e é a razão por que se vêem tão poucas virtudes sólidas. Que não precisava nem arte ou ciência para ir a Deus, mas apenas um coração resolutamente determinado a não dedicar-se a outra coisa a não ser Deus, do amor a Deus e de amar somente a Ele.  
 
IV. Conversação
Irmão Lourenço conversou comigo com muita frequência, e com grande abertura de coração, com respeito à maneira de ir a Deus, o que aliás, já mencionamos alguma coisa. Me disse que tudo consiste de uma renúncia de coração a todas as coisas que nos impedem de chegar a Deus. Podemos nos acostumar a conversarmos continuamente com Ele com liberdade e simplicidade. Para nos dirigirmos a Ele a cada momento, só necessitamos reconhecer que Deus está intimamente presente conosco, e que podemos pedir sua ajuda para conhecer a sua vontade em coisas duvidosas, e fazer corretamente aquelas coisas que nós compreendemos claramente que Ele exige de nós. Na nossa conversa com Deus, devemos também louvá-lo, adorá-Lo e amá-Lo pela sua infinita bondade e perfeição. Sem desanimarmos pela soma dos nossos pecados, devemos orar pedindo sua graça com uma perfeita confiança, acreditando nos méritos infinitos do nosso Senhor, porque Deus nunca deixa de oferecer continuamente sua graça. Irmão Lourenço viu isso muito claramente. Deus jamais deixou de oferecer sua graça, exceto quando os pensamentos do Irmão Lourenço começavam a divagar e perdiam seu sentido da presença de Deus, ou quando se esquecia de pedir Sua ajuda. Quando não temos outro propósito na vida exceto o de agradar-Lhe, Deus sempre nos dá luz em nossas dúvidas. A nossa santificação não depende de uma mudança de atividades, mas de fazer para a glória de Deus tudo o que comumente fazemos a nós mesmos. Pensava que era lamentável ver como muita gente confunde os meios com o fim, dedicando-se a fazer certas coisas muito imperfeitamente por causa de suas considerações humanas ou egoístas. O método mais excelente que havia encontrado para ir a Deus, era fazer as coisas mais comuns sem tratar de agradar aos homens, mas unicamente por amor a Deus. Irmão Lourenço sentia que era uma grande ilusão pensar que o tempo dedicado à oração era diferente de outros momentos do dia. Estamos estritamente obrigados a unirmos a Deus através da ação no momento da ação, e por meio da oração na hora da oração. Sua própria oração nada mais era que um sentimento da presença de Deus, quando sua alma não era sensível a nada, exceto ao Amor Divino. E quando terminava seus momentos dedicados à oração, não encontrava qualquer diferença, porque permanecia com Deus, louvando e bendizendo com toda a sua capacidade. Assim passava sua vida em uma alegria contínua, mas esperava que Deus permitir-lhe-ia algum sofrimento quando estivesse mais forte. Irmão Lourenço dizia que, de uma vez por todas, deveríamos colocar toda nossa confiança em Deus e nos entregar totalmente a Ele, seguros de que não nos decepcionará. Não devemos nos cansar de fazer as coisas pequenas por amor a Deus, porque Ele não leva em conta o tamanho da obra, mas o amor com que a realizamos. Que não devemos nos surpreender se no princípio, falharmos frequentemente em nossos intentos, mas que ao final adquiriremos um hábito que naturalmente nos fará agir sem que nos preocupemos com ele, para nosso maior deleite. A base da religião era a fé, a esperança e a caridade, e se as praticarmos chegaremos a estar unidos à vontade de Deus. Todo o resto é de menor importância, e deve ser utilizado como um meio para chegar a nosso objetivo, e então todo o resto deve ser absorvido pela fé e o amor. E todas as coisas são possíveis para o que crer, são menos difíceis para o que espera, e são mais fáceis para o que ama, e ainda mais fáceis para o que persevera na prática destas virtudes. O fim de que devemos perseguir é: tornar-se nesta vida, os adoradores de Deus mais perfeitos que possamos ser, os adoradores que esperamos ser por toda eternidade. Dizia que quando chegarmos a esse nível espiritual deveríamos considerar e examinar a fundo o que somos. E então nos encontraríamos dignos de todo o desprezo, e não merecedores do nome de cristãos, sujeitos a toda sorte de misérias e de inúmeros acidentes que nos preocupam e causam vicissitudes perpétuas em nossa saúde, nossos humores, nossas disposições internas e externas. Somos pessoas que Deus poderia humilhar através de muitas dores e trabalhos, interiores e exteriores. Após isto, não deveríamos surpreender-nos que os homens nos tentem, se oponham a nós e nos contradigam. Pelo contrário, devemos nos submeter a essas provas, e suportá-las tanto como Deus queira, porque são coisas altamente vantajosas para nós. A maior perfeição a que pode aspirar uma alma, é a total dependência da Misericórdia Divina. Sendo questionado por alguém de sua própria comunidade (para quem estava obrigado a abrir-se), sobre o meio pelo qual ele tinha obtido esse sentimento da presença de Deus, disse-lhe que, uma vez que ele tinha chegado ao mosteiro havia considerado a Deus como o fim de todos os seus pensamentos e desejos, como a meta a qual todos devem aspirar, e na qual todos devem terminar. Ele lembrou que no início de seu noviciado passava as horas indicadas para oração privada pensando em Deus, tratando de convencer a sua mente e de impressionar profundamente o seu coração da existência de Deus, e o fazia melhor por meio dos sentimentos de devoção e por submissão a luz que lhe dava a fé, que por estudados raciocínios e elaborada meditação. Por este método simples e seguro, se exercitou no conhecimento e no amor de Deus, resolvendo utilizar seus maiores esforços para viverem um contínuo sentimento de sua presença, e, se possível, não esquecer jamais a Deus. Então, depois de encher a sua mente com o sentimento daquele Ser Infinito, ia trabalhar na cozinha (porque ele era o cozinheiro da comunidade). Lá, em primeiro lugar  considerava cada uma das coisas que precisava de sua participação, e quando e como devia ser feita a cada coisa, e antes de iniciar sua ação dizia a Deus, com a confiança deum filho a seu Pai: "Oh, meu Deus, porque você está comigo, e porque agora devo, em obediência às suas ordens, aplicar minha mente a essas coisas externas, eu suplico-lhe conceder-me a graça de continuar em sua presença, e encaminhar-me para este fim coma sua ajuda. Aceita todos os meus trabalhos, e possui todos os meus afetos. Enquanto trabalhava continuava sua conversação familiar com seu Criador, implorando sua graça, e oferecendo a Ele todos os seus atos. Quando terminava, examinava a si mesmo para ver como tinha cumprido o seu dever. Se viu que tinha feito bem, dava graças a Deus. Se não tivesse feito bem, Lhe pedia perdão, e sem desanimar-se, de novo colocava amente em ordem. Então continuava seu exercício da presença de Deus, como se nunca tivesse se afastado Dele. "Desta forma", disse ele, "me levantava depois de minhas faltas, e mediante renovados e frequentes atos de fé e amor, tenho chegado a um estado no qual é difícil não pensar em Deus, o que no princípio era difícil me acostumar comisso. "Porque o Irmão Lourenço tinha encontrado uma vantagem tal em andar na presença de Deus, era natural que a recomendasse a outras pessoas encarecidamente. Porém o que é mais surpreendente, seu exemplo era um incentivo mais forte do que qualquer argumento que poderia ser proposto. No seu semblante se via com tal devoção doce e calma, que não poderia não afetar aqueles que contemplavam. E não se poderia deixar de ver que, nos momentos de maior aflição no trabalho na cozinha, ele continuava mantendo suas ideias e inclinações celestiais. Nunca estava aflito ou ocioso, mas fazia cada coisa no seu devido tempo, com uma calma e tranquilidade de espírito que não se interrompiam nunca. Dizia: "Para mim, o tempo de trabalho não é diferente do momento de oração, e no meio do barulho e alvoroço da minha cozinha, com várias pessoas pedindo coisas diferentes ao mesmo tempo, tenho uma grande tranquilidade em Deus, como se estivesse sobre meus joelhos na Santa Ceia".
 (...)
 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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