Texto: fragmento do livro "Aventuras na oração" de Catherine Marshall
(...)
Por que
Deus faz questão de que cheguemos ao ponto de reconhecermos nossa incapacidade
total, antes de responder nossas orações? Uma razão óbvia é que nossa
incapacidade humana é um fato. Deus é realista, e deseja que nós também o
sejamos. Enquanto estivermos nos iludindo, crendo que nossos próprios recursos
podem atender os anseios de nosso coração, estaremos crendo numa mentira. E é
impossível que nossas orações sejam respondidas se baseadas em auto-ilusão e
mentira. Então, qual é a verdade acerca da situação humana? Nenhum de nós teve
qualquer participação nas decisões relativas à nossa origem. Não escolhemos
nosso sexo, nem deliberamos se seríamos japoneses, russos ou americanos; se
seríamos brancos, negros ou amarelos. Tampouco pudemos escolher nossos ancestrais,
nem nossas características físicas. Depois que nascemos, o sistema nervoso
central, que é autômato, passou a controlar todas as nossas funções vitais. Uma
energia que não entendemos bem mantém nosso coração pulsando, os pulmões
funcionando, o sangue circulando, e a temperatura do corpo entre 36 e 37 graus
centígrados. Um cirurgião pode cortar tecidos do corpo humano, mas não pode
absolutamente forçar o organismo a religar os tecidos separados. E nós
envelhecemos automática e inexoravelmente. Auto-suficiência? Impossível! Até
mesmo o planeta onde vivemos... não tivemos parte alguma na sua criação. O
pequeno planeta Terra se acha exatamente à distância certa — cerca de 140
milhões de quilômetros — da estrela que é sua fonte de luz e calor. Se chegasse
mais perto, seríamos destruídos pela radiação solar; se se afastasse um pouco,
morreríamos por congelamento. O equilíbrio entre o nitrogênio e o oxigênio do
ar atmosférico é ajustado para a sustentação da vida; os elementos do solo e a
criação de depósitos de pedras raras — tudo isso ocorre à revelia do homem —
este homem pequenino que se mostra tão orgulhoso e às vezes esbraveja tanto
sobre a superfície da terra. Jesus fez algum comentário acerca disso tudo? Sim.
Como sempre, ele colocou o dedo no âmago da questão: "...sem mim nada
podeis fazer"(Jo 15.5), disse ele. Nada? Isto pode parecer um pouco de
exagero. Afinal de contas, o homem tem feito grandes progressos. Já conseguimos
quase eliminar algumas enfermidades, como a varíola, a peste bubônica, a
tuberculose, a poliomielite, e a maioria das doenças infecciosas infantis.
Aprendemos a controlar, em grande parte, o meio-ambiente; já enviamos homens à
lua. Como podemos considerar isto tudo como incapacidade? A maioria das pessoas
não aprecia muito essa idéia. O culto do humanismo que existe em nossos dias
levou-nos a crer que somos aptos para controlar nosso próprio destino.
Entretanto, Jesus não somente insistiu em afirmar que somos totalmente
incapazes de tudo, mas ele sublinhou essa verdade dizendo que ele também estava
sujeito a ela durante sua vida terrena: "Eu nada posso fazer de mim
mesmo", disse ele aos apóstolos (Jo 5.30). Nisto, como em tudo o mais, ele
apresentava o modelo do homem perfeito. As Escrituras nos revelam, ponto por
ponto, a verdade acerca de nossa incapacidade tanto com relação à vida
espiritual, como à vida física. Sentimos um impulso em direção a Deus. E nós
pensamos que somos nós que estamos indo em busca dele. Mas isto não é verdade.
Jesus disse o seguinte: "Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não
o trouxer."(Jo 6.44.) Desejamos ser salvos de nossos pecados e possuir a
vida eterna. E pensamos que, de algum modo, podemos obtê-la. Não. A verdade é
que "...é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie" (Ef
2.8,9).E quanto às virtudes e graças de que precisamos para obtermos vitórias na
vida cristã — fé, alegria, paciência, paz de espírito, a capacidade de
amarmos as pessoas infelizes e desagradáveis — não há nada que possamos fazer
para criar em nós tais qualidades. Paulo nos diz, em Gálatas 5.22,23, que tais
coisas são dons do Espírito Santo. Não há outro meio pelo qual elas possam ser
adquiridas. "O homem não pode receber cousa alguma se do céu não lhe for
dada." (Jo 3.27.) Esta ênfase dada à nossa incapacidade também é observada
nos escritos dos autores cristãos de outras eras. Vemos, por exemplo, naquela
jóia da literatura do século XVII, no livro do Irmão Lourenço — "A Prática
da Presença de Deus". A impotência humana era o centro em torno do qual
esse irmão carmelita fazia girar seu relacionamento com Deus:
"Quando
se lhe apresentava a oportunidade de praticar uma virtude qualquer, ele se
dirigia a Deus dizendo: Senhor, eu não posso fazer isso a não ser que Tu me
capacites; e então ele recebia força mais que suficiente. "Quando ele
fracassava naquilo que era seu dever, apenas confessava sua falha a Deus,
dizendo: Se me deixares entregue a mim mesmo, não farei outra coisa senão
errar; és tu quem deve impedir minha queda, e consertar o que estiver errado.
Depois disso, não pensava mais no
fato."
Embora
poucos tenham a maturidade espiritual do Irmão Lourenço, contudo há ocasiões na
vida em que nos encontramos numa situação que está fora de nosso controle, e
achamo-nos presos a circunstâncias que não podemos absolutamente modificar.
Quando isso acontecer, acolhamos tais
situações de braços abertos! Muitas vezes, é somente aí que nós, espíritos
menores, penetramos na verdade da declaração que Jesus fez no décimo quinto
capítulo de João: "Sem mim nada podeis fazer." O Dr. Arthur Gossip,
que escreveu a explanação do Evangelho de João para o Interpretels Bible, fez
um comentário muito interessante acerca deste texto: "Estas são as
palavras mais animadoras das Escrituras. .. sem mim nada podeis fazer. Pois é
com base no reconhecimento franco de nossa total incapacidade, sem o Senhor, que Cristo... nos dá suas
grandes promessas." Grandes
promessas, como a gloriosa promessa seguinte, que é suficientemente poderosa
para suplantar nossa incapacitação em um milhão de vezes: "... para Deus
tudo é possível" (Mc 10.27). Ele está a dizer-nos que um Deus onipotente,
transcendente e eminente está acima de tudo e opera através de tudo com muito
mais perfeição do que nós sabemos. Se ficássemos apenas com a nossa
incapacidade, seríamos como um pássaro que tentasse voar com uma única asa. Mas
quando acrescentamos a ela a outra asa — a da capacidade divina — então o
pássaro pode alçar-se triunfantemente acima dos problemas e atravessar as
nuvens de dificuldades que até então o têm derrotado. Uma história que sempre
me impressionou muito foi a do Dr. A. B.Simpson, o famoso pregador de Nova
York. Ele fora sempre atormentado por um precário estado de saúde. Sofreu dois
esgotamentos nervosos e ainda tinha problemas cardíacos. Quando estava com
trinta e oito anos de idade, um médico de Nova York disse-lhe que nunca
chegaria aos quarenta.. A declaração daquele médico só conseguiu acentuar seu
estado de incapacidade física, que o pastor já conhecia tão bem. Pregar era-lhe
um esforço agonizante. Subir ladeiras, mesmo que fracas, causava-lhe sufocação
e agonia terríveis. Em desespero — doente no corpo e no espírito — o Dr.
Simpson resolveu recorrer à Bíblia para ver exatamente o que Jesus tinha a
dizer a respeito de enfermidades. Descobriu que o Senhor sempre considerara a
cura como parte integrante de seu evangelho para a redenção total do ser
humano. Numa sexta-feira, pouco depois de ter essa revelação, ele resolveu dar
um passeio ao campo. Era obrigado a caminhar lenta e penosamente, pois tinha o
fôlego curto. Chegando a um bosque de pinheiros, assentou-se numa tora de
árvore para descansar. Logo começou a orar, falando a Deus de sua total
impotência com relação às suas condições físicas. Mas a este senso de
incapacidade ele adicionou a certeza de que Deus sempre desejara uma saúde
perfeita para o seu povo. Mais uma vez, atuava aquela poderosa combinação de realidades
— minha total incapacidade e tua perfeita capacidade. Então ele pediu a Cristo
para entrar nele e se tornar sua vida física e suprir todas as necessidades de
seu corpo, daquele instante até que concluísse sua missão neste mundo. "E
ali, naquele bosque, consegui um contato com Deus", contou ele mais tarde.
"Sentia cada fibra de meu corpo vibrar com a presença do Senhor." Alguns
dias depois, Simpson escalou uma montanha de mil metros de altitude.
"Quando cheguei ao topo", relatou ele alegremente, "o mundo de
fraquezas e temores estava a meus pés. E daquele momento em diante, passei a
ter, literalmente, um novo coração dentro do peito. "E tinha mesmo. Nos
três primeiros anos, depois de curado, ele pregou mais de mil sermões; e
dirigiu, às vezes, até vinte reuniões por semana. Seu testemunho era de que em
nem uma só ocasião se sentiu esgotado. E pelo resto da vida, ele se tornou
conhecido pela grande quantidade de trabalho que produziu tanto em sermões como
em livros e ministério pastoral. Viveu até a idade de setenta e seis anos. Além
disso, a obra de Simpson sobreviveu a ele.
A Aliança Cristã e Missionária,
por ele fundada, ainda hoje é uma
imensa força espiritual; seus livros ainda estão sendo reimpressos, e têm se
constituído em bênção para milhões de pessoas. Por que é que a oração se torna
tão eficaz quando reconhecemos nossa incapacidade pessoal? Primeiro, como já
vimos, porque Deus faz questão de que encaremos a verdade acerca da situação
humana. Deste modo, nós edificamos nossas orações sobre o firme fundamento da
verdade, e não nas bases falsas do auto-engano e das ilusões. Este
reconhecimento de nossa incapacidade pessoal também se constitui no modo mais
rápido de chegarmos à atitude correta na oração, e que Deus considera
essencial. Ele desfere um golpe mortal contra o mais grave pecado — seu senso
de independência que leva o homem a ignorar o Senhor. Outra razão é que
enquanto estivermos confiados em nós mesmos ou em outras pessoas, não podemos
aprender de Deus diretamente — como Ele é, como é seu amor por nós como
indivíduos e seu poder real. E o verdadeiro objetivo da vida é a comunhão com
Jesus, a qual também é o único fundamento para a eternidade. Esta comunhão
diária que ele nos oferece é muito real.
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