Um pára-raios do Grande Despertamento
Adaptado de uma biografia por Dr. Rimas J. Orentas - Fonte: Revista Impacto
George Whitefield viveu de 1714 a 1770. Na sua vida adulta, era tão conhecido quanto qualquer outra figura pública nos países de língua inglesa. Com apenas 22 anos, era um dos mais destacados proponentes do movimento religioso que sacudiu aqueles países, que seria conhecido como o Grande Despertamento. Talvez se possa dizer que só a Reforma Protestante e a Era Apostólica tenham ultrapassado o fervor espiritual que Deus derramou neste período.
George Whitefield pregou na Inglaterra, na Escócia, no País de Gales, em Gibraltar, em Bermudas, e nas colônias norte-americanas. Sua vida serviu de inspiração e tocha para vários outros pregadores contemporâneos e posteriores. Eram homens de fervor que procuravam entregar suas vidas 100% a Cristo Jesus.
A seguir, alguns fatos a respeito da sua juventude, conversão e preparação para o ministério.
George era o sétimo e último filho de Thomas e Elizabeth Whitefield. O pai era proprietário da Bell Inn, um hotel em Gloucester, na Inglaterra. Era o maior e mais fino estabelecimento da cidade e tinha dois auditórios, um dos quais era usado para exibição de peças teatrais.
Quando tinha apenas dois anos de idade, o pai de George faleceu. Depois de alguns anos, sua mãe casou-se novamente, porém foi uma união malograda que terminou em divórcio e fracasso financeiro.
Desde pequeno, George se destacou como talentoso orador e ator nas peças teatrais da escola. Sua mãe, vendo seu potencial, fez questão que ele estudasse, embora outros de seus irmãos tivessem que trabalhar para sustentar a família. Da mãe, George herdou a forte ambição de ser “alguém no mundo”. De alguma forma, ela sempre esperava mais dele do que de seus outros filhos. Outra influência forte na juventude era sua paixão pelo teatro. Como garoto, lia incessantemente peças teatrais e faltava da escola para ensaiar suas apresentações. Esta necessidade e dom de se expressar dramaticamente continuariam durante todo o resto da sua vida.
Aos quinze anos de idade, George foi obrigado a deixar seus estudos para trabalhar pelo sustento da família. Durante o dia trabalhava e à noite lia a Bíblia. Seu sonho era de estudar em Oxford. Porém, não havia condições financeiras para isto. Finalmente, sua mãe descobriu uma saída. Ele poderia ir como “servidor”, que era uma espécie de empregado para três ou quatro estudantes de classe alta. Assim, aos 17 anos, com muita expectativa, ingressou na Universidade.
A Busca Intensa Por Deus
Suas responsabilidades como servidor incluíam lavar as roupas, engraxar os sapatos e fazer as tarefas dos estudantes a quem servia. Os servidores viviam com o dinheiro e as roupas usadas que aqueles quisessem lhes dar. Tinham de usar uma túnica especial e era proibido que os estudantes de nível mais elevado lhes dirigissem a palavra. A maioria acabava abandonando os estudos para não terem que sofrer tamanha humilhação. George era extremamente intenso e dedicado e, achando que tinha de ganhar a aprovação de Deus, visitava prisioneiros e pobres, além de todas suas outras obrigações. Seus colegas, por um tempo, tentaram atraí-lo à vida social e às festas, mas logo viram que não adiantaria e deixaram-no em paz Alguns começaram a chamá-lo de “metodista”, que era o nome pejorativo que davam aos membros do Clube Santo, embora ele ainda não tivesse tido nenhum contato com aquele grupo. Como servidor, não lhe era permitido tomar a iniciativa de procurá-los.
O Clube Santo era um pequeno grupo de estudantes dirigido por um professor em Oxford, chamado John Wesley. Aos outros estudantes, a vida disciplinada exigida pelo Clube parecia tolice e o nome “metodista” dava a idéia de uma vida regida por métodos mecânicos, desprovidos de racionalidade, como se as pessoas fossem meros robôs.
Foi Charles Wesley que ouviu falar desse aluno dedicado e piedoso e, rompendo as barreiras sociais, procurou Whitefield e o convidou para um café da manhã. Com isso, iniciou-se uma amizade que duraria para o resto das suas vidas.
Os membros do Clube Santo levantavam-se cedo, tinham prolongados tempos de devoções a sós com Deus, praticavam autodisciplina e tentavam garantir que nenhum momento do dia fosse desperdiçado. À noite, guardavam um diário para fazer uma avaliação da sua vida e arrancar qualquer pecado que estivesse brotando ou se manifestando. Celebravam a Eucaristia aos domingos, jejuavam toda quarta e sexta-feira e usavam o sábado como dia de preparação para a festa do Senhor no domingo.
O Clube Santo também era profundamente comprometido com a Igreja Anglicana e conhecia sua história e suas normas melhor que ninguém. Visitavam prisões e bairros pobres, e contribuíam a um fundo de auxílio para os presidiários e especialmente para os seus filhos. Os membros também se esforçavam muito no pastoreamento de estudantes mais jovens, ensinando-os a evitar más companhias e encorajando-os a serem sóbrios e estudiosos, até mesmo auxiliando-os quando tinham dificuldades nos estudos. Tudo isto era ótimo, mas havia um problema fundamental: era uma salvação baseada em obras. Por mais que fizessem, experimentavam pouquíssima alegria, pois a natureza da sua salvação ainda era um mistério insondável e Deus estava distante. Nenhum dos líderes havia ainda experimentado a verdadeira graça de Deus no evangelho de Jesus Cristo.
O Desespero Fica Maior
Whitefield ficou mais e mais consciente do seu anseio interior por conhecer Deus de forma íntima e verdadeira, mas não sabia aonde recorrer. Ele lia com voracidade e finalmente achou um livro antigo, escrito por um escocês desconhecido, o Rev. Henry Scougal, intitulado A Vida de Deus na Alma do Homem. Neste livro, ele descobriu que todas suas boas ações, que pensava estarem conquistando-lhe o favor de Deus, não tinham valor algum. O que precisava realmente era Cristo ser formado “dentro” dele, ou seja, nascer de novo.
Scougal ensinou que a essência do cristianismo não é a execução de obrigações exteriores, nem uma emoção ou sentimento que se pode ter. A verdadeira religião é a união da alma com Deus, a participação na natureza divina, viver de acordo com a imagem de Deus desenhada sobre nossa alma – ou na terminologia do apóstolo, ter “Cristo formado em nós”. Whitefield aprendeu destes ensinos a maravilha que é Deus querer habitar no nosso coração e realizar sua obra através de nós, e quão profunda e admirável é a graça que torna possível a vida de Deus habitar na alma do homem.
Este livro maravilhoso, porém, acabou deixando Whitefield quase enlouquecido. Ele não sabia como nascer de novo, mas começou a buscar esta experiência com todas suas forças. Deixou de comer certos alimentos e dava o dinheiro que economizou com isto aos pobres; usava só roupas remendadas e sapatos sujos; passava a noite inteira em fervorosa e suada oração; e não falava com ninguém. Para negar a si mesmo, abandonou a única coisa de que realmente gostava, que era o Clube Santo. Começou a ir mal nos estudos e foi ameaçado com expulsão. Seus colegas o acharam completamente “pirado”. Orava ao ar livre, no relento, mesmo nas madrugadas mais gélidas, até que uma de suas mãos ficou preta. Finalmente, ficou tão doente, enfraquecido e magro que não conseguia nem subir a escada para sair do quarto. Tiveram de chamar um médico que o confinou à cama por sete semanas.
Uma Simples Oração
De forma surpreendente, foi neste tempo de descanso e recuperação que sua vida finalmente foi transformada. Ele ainda mantinha um tempo devocional com Deus, de acordo com suas forças. Mas agora começou a orar de forma mais simples, deixando de lado todas suas idéias e esforços e tentando realmente escutar a voz de Deus.
Certo dia, ele se jogou sobre a cama e clamou: “Tenho sede!” Foi a primeira vez que havia clamado a Deus em total incapacidade e insuficiência. E foi a primeira vez em mais de um ano que sentira alegria.
Neste momento de total entrega ao Deus Todo-poderoso, um pensamento novo penetrou seu coração. “George, você já tem o que pediu! Você cessou suas pelejas e simplesmente creu e agora nasceu de novo!”
Foi tão simples, tão absurdamente simples, ser salvo por uma oração tão singela, que Whitefield começou a rir. E assim que riu, as comportas dos céus se romperam e sua vida foi inundada por “gozo indizível, cheio e transbordando de grande glória”.
Sua aparência exterior ainda era de um universitário doentio e fraco, porém a carreira do maior evangelista do século XVIII tinha acabado de nascer. Ele ainda levou nove meses para recuperar fisicamente, mas no seu coração havia só um desejo: compartilhar as Boas Novas que Jesus Cristo viera para os pecadores e que o pecador só precisava arrepender-se, aceitar a morte expiatória de Jesus e lançar-se espiritualmente nas mãos de Deus.
Em sua casa em Gloucester, Whitefield manteve sua vida disciplinada do Clube Santo, mas tudo agora tinha um novo significado. Não era mais para alcançar o favor de Deus ou tornar-se justo, mas para focalizá-lo em servir a Deus. Diariamente, meditava numa passagem bíblica que lia em inglês, depois em grego, e finalmente no famoso comentário de Matthew Henry. Orava sobre cada linha que lia, até que entendesse e recebesse o seu significado, e sentisse que já fazia parte da sua vida. Logo fundou uma pequena sociedade que se reunia todas as noites.
O Leão Começa a Rugir
Não demorou muito e já estava tendo oportunidades de pregar. Inicialmente, tinha receio de ser ordenado muito jovem e de se envaidecer. Mas colocou diante de Deus um sinal: se, por um milagre, houvesse provisão para voltar a Oxford e se formar, ele aceitaria a ordenação. E, pouco a pouco, foi isto que aconteceu. Ao mesmo tempo, soube que os irmãos Wesley tinham ido à América como missionários e que precisavam de alguém para dirigir o Clube Santo. Desta forma, voltou a Oxford, completou seu curso e foi ordenado.
Inicialmente, tentou ficar quieto no seu lugar. Seu objetivo era alcançar outros estudantes, na base de um a um. Mas havia um problema. Desde o momento que abriu sua boca, todos queriam ouvir mais. Depois de quatro semanas pregando mensagens em Gloucester, Bristol e Bath, um pequeno avivamento se iniciara. As igrejas estavam lotadas e as ruas estavam cheias de gente tentando entrar. Whitefield tinha apenas 22 anos.
Apesar da sua formação acadêmica, Whitefield utilizou muito mais seus talentos dramáticos para comunicar as verdades espirituais do que conhecimentos intelectuais. Concentrou no aperfeiçoamento do que hoje chamaríamos de linguagem corporal. A paixão seria sua chave na pregação das verdades espirituais que muitos já tinham ouvido, porém sem vida.
Sem muita prática em homilética, sua sensibilidade dramática logo o colocou numa classe à parte. Lágrimas, fortes emoções, agitado movimento corporal – mas acima de tudo, uma experiência intensamente pessoal do Novo Nascimento – eram características da sua pregação e das reações dos seus ouvintes. Sua prodigiosa memória o capacitava a transformar o púlpito num teatro sagrado que representava os santos e pecadores da Bíblia diante dos seus ouvintes fascinados.
Entre os que ficavam encantados diante das pregações, estava um grande ator inglês, David Garrick, que exclamou: “Eu daria cem guineas (moeda inglesa da época – equivalente a mais de uma libra moderna) se eu pudesse dizer Oh como o Sr. Whitefield!”
Com suas mensagens vivas, dramáticas e cheias de alegria espiritual, o país da Inglaterra começou a ser abalado. As verdades eram simples, diretas e baseadas nas doutrinas básicas do novo nascimento e da justificação pela fé. Mas para as pessoas que nunca antes ouviram tais coisas com clareza, eram como descargas de raios no coração. Ele não estava declarando sua própria mensagem, mas a mensagem de Deus: “É necessário nascer de novo”. Logo houve resistência, principalmente por parte dos clérigos que se perturbavam com a oração de Whitefield para que eles também nascessem de novo. Pessoas das camadas mais elevadas da sociedade também não gostavam de ouvir que eram pecadores e precisavam se arrepender.
Uma Forma Revolucionária de Pregar
Em 1739, com 24 anos de idade, Whitefield começou a pregar ao ar livre. Várias igrejas haviam fechado as portas para suas pregações e ele não queria depender mais da disponibilidade de igrejas ou auditórios. Partiu para Kingswood, perto de Bristol, onde havia milhares de mineiros de carvão, que viviam em condições deploráveis. Homens, mulheres e crianças trabalhavam longas horas embaixo da terra, no meio de morte e doença. Para Whitefield, eram como ovelhas sem pastor.
Em fevereiro, o frio era intenso, mas ao passar pelos barracos e favelas, Whitefield encontrou 200 pessoas dispostas a ir ouvi-lo. Ele pregou dramaticamente sobre o amor de Jesus por eles e como sofreu a cruel morte da crucificação, só para salvá-los dos seus pecados. Enquanto pregava, começou a notar faixas brancas nas faces enegrecidas de alguns mineiros. Logo, todos os rostos escuros estavam manchados com as valetas brancas das lágrimas que corriam enquanto o evangelho de Jesus convencia a todos, um por um.
Três dias depois, Whitefield foi proibido de pregar em Bristol novamente pelo conselho da diocese. Porém, no dia seguinte ele pregou na própria mina, onde desta vez havia 2000 pessoas para ouvi-lo. No domingo seguinte, havia 10.000 e muito mais pessoas da cidade do que das minas. E no dia 25 de março de 1739, a multidão foi estimada em 23.000. Com este método heterodoxo e controvertido de pregação ao ar livre, parecia não haver limites para o crescimento do Grande Despertamento.
Estima-se que Whitefield tenha pregado para mais de dois milhões de pessoas, só naquele verão. Sua ousada pregação nos campos abalara de vez o fraco e tímido cristianismo da sua época. Quando chegou em Filadélfia, em agosto daquele ano, os jornais noticiaram que George Whitefield havia pregado a mais pessoas do que qualquer outra pessoa viva, e provavelmente do que qualquer outra pessoa na história, até então.
Melhor Esgotar-se do que Enferrujar
Whitefield cruzou sete vezes o oceano Atlântico entre a Inglaterra e a América. Faleceu em 1770, com apenas 55 anos de idade. Em 34 anos de ministério, pregou mais de 18.000 sermões, ou uma média de mais de 10 por semana. No seu último ano de vida, apesar da saúde prejudicada pela extrema intensidade da sua vida, recusou-se a parar, dizendo que preferiria se “esgotar a enferrujar”.
Antes de pregar sua última mensagem, sentindo-se muito mal, Whitefield orou: “Senhor, se ainda não completei minha carreira, deixa-me ir falar por ti mais uma vez no campo, selar tua verdade e voltar para casa e morrer!”
Sua oração foi respondida. Seu último discurso foi no meio da tarde, num campo, em cima de um barril. Seu texto foi: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé” (2 Co 13.5). O tema foi o novo nascimento.
No começo falava com muita dificuldade, sua voz rouca, sua dicção pesada. Frase após frase saía sem muito nexo, sem atenção a objetivo ou oratória. Mas, de repente, sua mente se acendeu e sua voz de leão bradou mais uma vez, alcançando as extremidades da sua audiência.
Falando da ineficácia de obras para merecer a salvação, Whitefield trovejou: “Obras! Obras! O homem alcançar o céu por obras! Eu pensaria antes em alcançar a lua subindo numa corda de areia!”
Esta foi a exortação final do grande pregador. A luz que brilhou na sua alma queimou com ardor até o fim da sua vida.
Talvez Deus não lhe tenha dado uma voz de leão, nem o talento dramático da comunicação em massa. Mas não há limites para o que Deus pode fazer através de uma vida, por jovem que seja, quando o genuíno fogo do céu se acende nela.
Site Rei Eterno (http://reieterno.sites.uol.com.br)
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