sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Texto: O Deus de Cada Segundo - Mateus Ferraz de Campos(Comentário sobre o livro “Praticando a Presença de Deus” (Editora Danprewan)

*Mateus Ferraz de Campos

O Deus de Cada Segundo


Sei por que Deus deixou esse terrível vazio – para que fosse preenchido por ele mesmo” (Frank Laubach).
Recentemente fui profundamente impactado pelo livro “Praticando a Presença de Deus” (Editora Danprewan), reeditado recentemente para o mercado evangélico. Trata-se de uma compilação dos registros escritos, deixados por dois homens de Deus que viveram em lugares e épocas diferentes – Irmão Lawrence em 1611 e Frank Laubach  em 1884 – mas que tiveram a mesma experiência: uma vida de devoção prática e contínua a Deus.
A maneira como estes homens expõem o dinamismo de seu relacionamento com Deus representa um verdadeiro referencial para nossa vida cristã, especialmente diante da maneira frenética com que a vivemos no século XXI.


Deixando Deus num Compartimento Separado

O título do livro – Praticando a Presença de Deus – denuncia uma tendência preocupante em nossos dias: de tornarmos a vida cristã cada vez mais teórica. Na verdade, por lidarmos com realidades transcendentes e com um Deus infinito, desenvolvemos a idéia de que a presença de Deus está reservada a momentos “espirituais” pré-determinem nossa agenda e que, no restante das horas, o máximo que podemos fazer para revelar o caráter cristão é viver uma vida que apresente um bom testemunho moral e ético. É quase inconsciente, mas pouco a pouco, sutilmente, removemos Deus de nosso cotidiano, confinando-o a relances específicos de nossa vida religiosa.
Viver a vida cristã teoricamente é dizer que sem ele (Cristo) nada podemos fazer, enquanto fazemos tudo sem consultá-lo. É dizer que ele é como o ar que respiramos, mas respirarmos sua presença duas ou três vezes por semana (já tentou viver sem respirar?). Quantas vezes, ao nos depararmos com uma questão de extrema complexidade em um dia agitado, pensamos em falar com Deus? E quantas vezes, ao sermos sugestionados pelo Espírito Santo, não sufocamos sua voz com nossos pensamentos racionalistas dizendo: “Falar com Deus? Agora? De que adiantaria?”.
Como pastor, sinto-me muitas vezes angustiado pela maneira como nossa natureza tenta enclausurar Deus dentro de uma realidade religiosa. Acostumamo-nos a desenvolver atitudes cristãs que definam nosso relacionamento com Deus. Ir à igreja, ler a Bíblia, orar; concluímos que tais atitudes encerram toda a essência do relacionamento com Deus, não percebendo que, quando assim fazemos, estamos simplesmente seguindo nosso roteiro religioso evangélico que, muitas vezes, contribui para um legalismo frio e vazio.
Obviamente, o relacionamento com Deus inclui essas atitudes, contudo elas jamais poderão englobar todo o dinamismo da vida com Deus. Não é simplesmente o que fazemos por ele ou para ele, mas a maneira como sua vida se funde à nossa sem reservas nem limites. Relacionar-se com Deus de forma prática é trazê-lo à realidade da vida, nos seus aspectos mais elementares. É precisar dele para as decisões mais simples, é lembrar dele nos momentos comuns.
A idéia de que vivemos em duas esferas diferentes, uma espiritual e outra secular, é muito perigosa. Se categorizamos nossas vidas e nossos momentos, logo estaremos categorizando nossas atitudes e acabaremos por viver paralelamente em dois mundos com duas realidades distintas. Uma, onde Deus é real e perceptível, e outra onde ele é ausente e, por que não dizer, desnecessário.


Comunhão e União Constantes

A idéia de que o relacionamento com Deus é algo prático é revolucionária.
O que você diria de acordar-se pela manhã e elevar seu primeiro pensamento a Deus? O que diria de disciplinar-se a ponto de conseguir elevar seu pensamento a ele a cada uma hora? E então, quem sabe, reduzir o tempo para trinta minutos? Quinze? Cinco? Um? O que diria de chegar a ponto de vivenciá-lo a cada segundo, como se o próximo segundo fosse um verdadeiro vazio se sua presença não estivesse ali? Impossível?
A resposta dos autores desse livro seria um retumbante “Não!”. Esses homens revelaram um diário cheio de experiências práticas com Deus. Práticas o suficiente para levá-los a um estágio de comunhão perfeita com o Criador.
Frank Laubach explica essa comunhão com as seguintes palavras:
Este sentimento de cooperação com Deus nas pequenas coisas é o que me deixa um tanto atônito, pois nunca me senti assim antes. Preciso de alguma coisa e, quando me viro, a encontro à minha espera. Na verdade, preciso trabalhar, mas há um Deus que trabalha ao meu lado. Ele cuida de todas as outras coisas. Cabe a mim viver este momento em uma constante conversa íntima com Deus, ser completamente sensível à sua vontade e fazer com que esse momento seja extremamente precioso. Parece que isso resume tudo em que preciso pensar.
Será possível trazer Deus à mente todo o tempo? Creio que foi isso o que o Apóstolo Paulo quis dizer com “Orar sem cessar”. É manter um diálogo íntimo com Deus em meio ao agito do dia. Ouvir sua voz em meio às buzinas e gritaria das ruas. Chamá-lo quando sua mente parecer rejeitá-lo. Abrir o coração para ele a todo tempo. Pedir sua opinião nos assuntos que presumimos que podemos resolver sozinhos. Considerarmos sua vontade quando tudo o que queremos é que prevaleça a nossa.
Esse tipo de cristianismo parece uma utopia. Mas o vislumbre de que tal feito é possível me deixa muito entusiasmado.
Boa parte dos cristãos tenta passar o tempo “não pecando”. Ficam o tempo todo vigiando para ver se estão longe do pecado e longe da possibilidade de cair. E se a abordagem fosse diferente? E se passarmos o tempo “não deixando Deus ir embora”? Trazendo sua vida para dentro de nossa vida em constante comunhão! É certo que não precisaremos nos preocupar em viver em santidade, pois essa seria a única opção.
Pense em sua maior experiência com Deus. Pense nos momentos onde ele tornou-se mais real em sua vida. Aqueles momentos em que sua presença era tão vívida quanto a de uma pessoa de carne e osso. Agora pense se pudesse viver cada hora do dia com essa sensação.
Qualquer hora do dia pode tornar-se perfeita mediante uma simples escolha. Será perfeita se olharmos para Deus o tempo todo, esperando por sua orientação e tentando fazer todas as coisas, por menores que sejam, exatamente como ele gostaria que fossem feitas – da maneira mais perfeita possível. Não é preciso emoção. Cumprir a vontade de Deus de forma perfeita faz com que esse momento seja perfeito. (Frank Laubach, 23 de março de 1930.)
A vida do Irmão Lawrence e de Frank Laubach, bem como seus escritos, são um convite de Deus a uma dimensão totalmente nova, onde absolutamente tudo, dentro de nós e de dentro para fora, passe pela presença de Deus. Uma dimensão onde Deus não é teórico, mas sim, nas palavras de Francis Schaeffer, infinito e pessoal. Esse talvez seja o sentido do que Jesus pediu ao Pai em sua oração sacerdotal:
Como és tu, ó Pai, em mim, e eu em ti, também sejam eles em nós (Jo 17:21).

Que assim seja!


*Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana-SP.



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