"A Vida de Deus na Alma do Homem"
(Henry Scougal)
Pela oração chegamos mais perto de Deus e ficamos abertos para as influências do céu. É quando o Sol da justiça nos visita com seus raios mais diretos, dissipando as nossas trevas e imprimindo a Sua imagem em nossas almas. [...]
Só lhes direi que há uma espécie de oração na qual fazemos uso da voz, o que necessário em público e às vezes tem suas vantagens em privado; e outra na qual, embora sem emitir nenhum som, concebemos, contudo, as expressões e formulamos as palavras, por assim dizer, em nossas mentes. Há ainda uma terceira espécie de oração, mais sublime, na qual a alma voa mais alto, e tendo reunido toda a sua energia mediante longa e séria meditação, lança-se qual flecha, se assim posso falar, em direção a Deus, com suspiros, gemidos e pensamentos tão elevados que não há como expressá-los. É como quando, após profunda contemplação das perfeições divinas que se manifestam em todas as Suas obras de extraordinário poder, a alma dirige-se a Deus na mais profunda adoração da Sua majestade e glória. Ou como quando, após tristes reflexões sobre a sua vileza e sobre os seus extravios, ela se prostra diante do Senhor na maior confusão, vergonha e tristeza, não ousando erguer seus olhos nem proferir uma palavra em Sua presença. Ou ainda como quando, tendo considerado bem a beleza da santidade e a inefável felicidade daqueles que são realmente bons ou justos (mediante Jesus Cristo é claro), a alma almeja Deus e envia ao céu aspirações e desejos tão vigorosos e ardentes que não há palavras que os expressem suficientemente, continuando e repetindo cada um destes atos enquanto se sentir sustentada [...]
Esta oração [...] pode ser descrita como o grande segredo da devoção e um dos mais poderosos instrumentos da vida divina. E bem pode ser que o apóstolo Paulo tenha tido um peculiar respeito por ela, a julgar pelo que ele diz em Romanos 8:26:
E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.
“O Espírito ajuda as nossas fraquezas”, e “intercede por nós com gemidos inexprimíveis”, ou, como o original permite: “que não podem ser verbalizados”. [...]
E…, a alma faz as suas mais vigorosas e arrebatadoras incursões ao céu e o invade com uma santa e aceitável energia. [...] E certamente, a negligência ou descuidada realização deste dever… (é) que fazem que continuemos com a estatura espiritual tão baixa.
Do livro de Henry Scougal (1739): “A Vida de Deus na Alma do Homem, PES, 2007 trad. Odayr Olivetti, pp. 126-129
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A VIDA DIVINA - EM QUE CONSISTE
É tempo agora de voltar à consideração da vida divina da qual eu vinha falando antes, a "vida escondida com Cristo em Deus" (Colossenses 3:3) e que, portanto, não se manifesta em nenhuma exibição ou aparência no mundo, pelo que ao homem natural parece uma idéia medíocre e insípida. Na medida em que a vida animal consiste daquele amor limitado e estreito que tem seu fim no próprio homem e em sua propensão para as coisas que agradam à natureza, assim também a vida divina mostra-se num afeto universal e ilimitado, e no domínio das nossas inclinações naturais, para que elas nunca possam iludir-nos e fazer-nos cair nas coisas que sabemos ser condenáveis.
A raiz da vida divina é a fé. Os ramos principais são o amor a Deus, a caridade para com o próximo, a pureza e a humildade [...].
O amor a Deus é um prazeroso e afetuoso senso das perfeições divinas que leva o verdadeiro cristão a resignar-se e a sacrificar-se totalmente para Ele, desejando acima de todas as coisas ser-Lhe agradável e deleitar-se em coisa alguma tanto como se deleita na amizade e na comunhão com Ele, e em estar pronto a sofrer por amor dEle ou conforme Lhe aprouver. Embora este afeto possa surgir primeiro dos favores e mercês de Deus para conosco, todavia, em seu crescimento e progresso transcende tais considerações particulares e se baseia em Sua infinita bondade, manifestada em todas as obras da criação e da providência.
Uma alma dessa forma possuída pelo amor divino necessariamente há de alargar-se para com toda a humanidade, num afeto ilimitado e sincero, devido à relação que os seres humanos têm com Deus, sendo Suas criaturas, e tendo algo de Sua imagem estampado neles. E esta é a caridade que descrevi como o segundo ramo da religião e que abrange eminentemente todas as partes da justiça, todos os deveres que temos para com o nosso próximo, pois quem ama verdadeiramente o mundo todo, preocupa-se bem de perto com os interesses de cada indivíduo. E tal indivíduo tão longe está de ferir ou ofender qualquer pessoa, que repudiará qualquer mal que sobrevenha a outros como se acontecesse com ele próprio.
Pela pureza entendo a devida moderação na atenção ao corpo e o domínio sobre os apetites inferiores, ou um tal equilíbrio e disposição da mente que leve o homem a desprezar e evitar todos os prazeres e deleites dos sentidos ou da imaginação que em si mesmos sejam pecaminosos ou que tendam a extinguir ou a diminuir o nosso gosto pelos prazeres mais divinos e intelectuais, o que inclui também a resoluta disposição para submeter-se a todas as durezas que acaso encontre em seu empenho por cumprir o seu dever, de modo que não se enquadram sob este título somente a castidade e a temperança, mas também a coragem e a magnanimidade.
A humildade implica num profundo senso da nossa mediocridade, e em reconhecermos sincera e afetuosamente que devemos tudo o que somos à generosidade de Deus. A humildade cristã sempre vem acompanhada de uma profunda submissão à vontade de Deus e de uma verdadeira mortificação para a glória do mundo e para os aplausos dos homens.
(Extraído do livro de Henry Scougal "A Vida De Deus Na Alma Do Homem" - Editora PES).
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EXEMPLOS DE JESUS
O AMOR DIVINO EXEMPLIFICADO EM NOSSO BENDITO SALVADOR
A sincera e devota afeição com a qual a Sua bendita alma ardia constantemente em relação a Seu Pai celestial, expressava-se numa inteira abdicação da Suva vontade. Sua verdadeira comida era fazer a vontade e consumar a obra do Pai que O enviara.
SUA MANEIRA DILIGENTE DE EXECUTAR A VONTADE DE DEUS
Esse foi o Seu exercício, desde a Sua meninice, e a constante ocupação de Sua idade mais madura. Ele não poupava nem viagem nem dolorosos labores, quando Lhe cumpria fazer a obra do Pai, mas de tal maneira tinha infinito contentamento e satisfação em realizá-la, que, por exemplo, quando se sentiu enfraquecido e cansado de sua viagem, descansou na fonte de Jacó e pediu água à mulher samaritana, o bom êxito da sua plastra com ela e o acesso que lhe foi aberto para o reino de Deus encheram Sua mente de tanto prazer que foi como se ressoasse em Seu corpo, renovando seu ânimo e fazendo com que Ele Se esquecesse da sede da qual se queixara e recusasse a comida que Ele tinha mandado Seus discípulos comprar. E Ele não foi menos paciente e submisso em sofrer a vontade de Deus do que diligente em fazê-la.
SUA PACIÊNCIA EM SUPORTAR AS AFLIÇÕES
Ele suportou as mais agudas aflições e as mais extremas misérias que já foram infligidas a qualquer mortal, sem um pensamento queixoso nem uma palavra de descontentamento. Embora estivesse longe de possuir uma insensibilidade néscia ou uma obstinação estóica ou fantasiosa, Ele sentia vividamente dor como os outros homens, e teve intensa percepção do que estava para sofrer em sua alma quando "o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue" e Ele se sentiu "profundamente triste, até à morte" (Lucas 22: 44 e Marcos 14:34), como Ele declarou mais de uma vez. Não obstante, rendeu-se inteiramente àquela severa dispensação da Providência, à qual aquiesceu de boa vontade [...].
Contudo, considerando a vontade de Deus e a gloória que redundaria para Ele dali em diante, Ele não somente se contentou em sofrê-lo, mas o desejou.
SUA DEVOÇÃO CONSTANTE
Outro exemplo do Seu amor a Deus foi demonstrado por Seu prazer em conversar com Ele pela oração, o que O levou a retirar-Se frequentemente da presença das coisas do mundo e, com a maior devoção e satisfação, passar noites inteiras nesse exercício celestial, apesar de não ter pecados para confessar e de ter apenas uns poucos interesses seculares pelos quais orar. Infelizmente, tais coisas seculares são quase as únicas que nos incitam a fazer nossos atos de devoção! Quanto a Cristo, podemos dizer que toda a Sua vida foi uma espécie de oração, um constante curso de comunhão com Deus. Mesmo que nem sempre se oferecia sacrifício, o fogo do altar estava sempre aceso. E o nosso Senhor Jesus, sempre bendito, nunca foi surpreendido por aquela lentidão ou mornidão de espírito que muitas vezes temos que combater, antes de podermos estar aptos para o exercício da devoção.
SEU AMOR PARA COM OS HOMENS
Em segundo lugar, devo falar do Seu amor e da Sua caridade para com todos os homens. Mas, quem quiser expressar Seu amor e Sua caridade terá que transcrever a história do evangelho e comentá-la, porquanto dificilmente se verá registrado que Ele tenha feito alguma coisa ou dito alguma palavra que não visasse o bem e o proveito deste ou daquele [...].
Nunca era mal recebido quem quer que viesse a Ele com intenção honesta, nem tampouco Ele jamais negou atender a qualquer pedido que realmente visasse o bem dos que o faziam [...].
Que outra prova mais poderíamos desejar do seu ardoroso e irrestrito amor do que o fato de que Ele deu voluntariamente Sua vida até por Seus cruéis inimigos, e, misturando Sua oração com Seu sangue, rogou ao Pai que eles não fossem responsabilizados por Sua morte, porém que ela se tornasse o meio pelo qual Ele obtivesse a vida eterna justamente para aquelas pessoas que a procuravam?
(Extraído do livro de Henry Scougal "A Vida De Deus Na Alma Do Homem" - Editora PES).
A VIDA NATURAL - O QUE É
Antes de descer a uma consideração mais particular dessa vida divina em que a verdadeira religião consiste, talvez seja próprio falar um pouco sobre a vida natural ou animal que prevalece nos que são alheios à outra (vida divina). E por esta vida natural não entendo outra coisa senão a nossa propensão ou inclinação para as coisas agradáveis e aceitáveis à natureza, ou o amor-próprio brotando e se espalhando em tantos ramos quantos os mais diversos apetites e inclinações dos homens. Reconheço que a raiz e base da vida animal está no sentir, e falo disso em termos gerais, como oposto à fé. E este sentir implica a nossa percepção e sensação das coisas que nos são agradáveis ou penosas.
Ora, estes afetos ou sentimentos animais, considerados em si mesmos, como implantados em nós por natureza, não são maus ou culpáveis. São na verdade exemplos da sabedoria do Criador, que supriu as Suas criaturas de apetites tendentes à preservação e à felicidade das suas vidas [...]. O objetivo não é que os nossos afetos naturais sejam totalmente extirpados e destruídos, mas tão-somente que sejam moderados e governados por um princípio superior e mais excelente. Numa palavra, a diferença entre um homem religioso e um ímpio é que no primeiro a vida divina mantém o domínio, no segundo, a vida animal prevalece.
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