Um Novo Espírito, e o
Espírito de Deus
(Andrew Murray)
O Espírito de habitação foi, de fato, dado a
cada filho de Deus.
Deus revelou a Si mesmo em duas grandes
alianças. Na velha temos o tempo da promessa e da preparação; na nova, o
cumprimento e a posse. Em harmonia com a diferença entre as duas dispensações,
há uma dupla obra do Espírito de Deus. No Antigo Testamento temos o Espírito de
Deus vindo sobre as pessoas e trabalhando nelas em momentos e de maneiras
especiais: operando de cima, de fora e de dentro. No Novo temos o Espírito
Santo entrando nelas e habitando dentro delas: operando de dentro, de fora e
por cima. Na anterior temos o Espírito de Deus como o Santo e Todo-Poderoso; na
última temos o Espírito do Pai de Jesus Cristo.
A
diferença entre as faces da dupla obra do Espírito Santo não deve ser vista
como se, com o fechamento do Antigo Testamento, a antiga terminasse e, no Novo,
não houvesse mais obras de preparação. De maneira nenhuma. Assim como houve no
Antigo Testamento benditas antecipações da habitação do Espírito de Deus,
também no Novo o duplo operar ainda continua. Devido à falta de conhecimento,
fé ou fidelidade, o crente de hoje pode receber somente um pouco mais do que a
medida do Antigo Testamento do operar do Espírito.
O
Espírito de habitação foi, de fato, dado a cada filho de Deus, e ainda assim
este pode experimentar apenas um pouco mais do que a primeira metade da
promessa. Um novo espírito nos é dado na regeneração, mas podemos conhecer
quase nada do Espírito de Deus como sendo uma pessoa viva que habita dentro de
nós. A obra do Espírito de nos convencer do pecado e da justiça, em Sua direção
ao arrependimento, fé e novidade de vida é a obra preparatória.
A
glória distintiva da dispensação do Espírito é Sua divina habitação pessoal no
coração do crente, onde Ele pode lhe revelar plenamente o Pai e o Filho.
Somente quando os cristãos entenderem isso estarão aptos a clamar pela plena
bênção preparada para eles em Cristo Jesus. Nas palavras de Ezequiel
encontramos, surpreendentemente expressa em uma promessa, a dupla bênção
concedida por Deus através de Seu Espírito. A primeira é: “... porei dentro de
vós espírito novo...”; isto é, nosso próprio espírito será renovado e
vivificado pelo Espírito de Deus. Quando isso estiver terminado, haverá a
segunda bênção: “Porei dentro de vós o meu Espírito...” para habitar nesse novo
espírito.
Deus
deve residir em uma habitação. Ele teve que criar o corpo de Adão antes que
pudesse soprar o Espírito de vida nele. Em Israel, o tabernáculo e o templo
tiveram que ser terminados antes que Deus pudesse enchê-los. De maneira
semelhante, um novo coração é dado e um novo espírito é posto dentro de nós
como a condição indispensável para a habitação do próprio Espírito de Deus
dentro de nós. Encontramos o mesmo contraste na oração de Davi; primeiro: “cria
em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.”;
e depois: “... nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51:1-11). Veja o que
está indicado nas palavras “o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6) Aí
está o Espírito divino dando à luz o novo
espírito. Os dois são também distintos: “O próprio Espírito testifica
com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16). O nosso espírito é o
espírito renovado, regenerado. O Espírito de Deus habita em nosso espírito,
ainda que distinto desse, mas testifica nele, com ele e através dele. A importância
de reconhecer essa distinção pode ser facilmente percebida. Seremos, então,
capazes de entender a verdadeira conexão entre regeneração e a habitação do
Espírito. A primeira é a obra do Espírito Santo pela qual Ele nos convence do
pecado, leva-nos ao arrependimento e à fé em Cristo, e concede-nos uma nova
natureza. O crente torna-se um filho de Deus, um templo adequado para a
habitação do Espírito. Onde a fé é exercida, a segunda metade da promessa será
cumprida tão seguramente quanto a primeira. Entretanto, enquanto o crente olha
somente para a regeneração e renovação trabalhados em seu espírito, não chegará
à pretendida vida de alegria e força.
Mas
quando ele aceita a promessa de Deus de que há algo mais que a nova natureza,
que há o Espírito do Pai e do Filho para nele habitar, ali se abre uma
maravilhosa perspectiva de santidade e bênção. Seu desejo será conhecer esse
Espírito Santo, como Ele trabalha e o que Ele requer de nós, bem como saber
como poderá experimentar Sua habitação e a plena revelação do Filho de Deus, já
que esta é a obra que Ele deseja realizar.
Certamente,
esta questão é frequentemente formulada: “Como são cumpridas essas duas partes
da divina promessa? Simultânea ou sucessivamente?”. A resposta é muito simples:
do lado de Deus a dupla dádiva é simultânea. Deus dá a Si mesmo e Tudo que Ele
é. Assim foi no dia de Pentecostes: os três mil receberam um novo espírito pelo
arrependimento e a fé; e no mesmo dia em que foram batizados receberam o
Espírito de habitação como o selo de Deus sobre sua fé. Através da palavra dos
discípulos, o Espírito realizou uma maravilhosa obra entre as multidões,
mudando disposições, corações e espíritos. Quando, pelo poder desse novo
Espírito que estava neles operando, creram e confessaram, receberam também o
batismo do Espírito Santo.
Hoje,
quando o Espírito de Deus move-Se poderosamente e a Igreja vive em Seu poder,
os novos convertidos já podem receber, desde o início de sua vida cristã, o
selo e habitação evidentes e conscientes do Espírito. Temos, todavia,
indicações nas Escrituras de que pode haver circunstâncias, dependendo da unção
do pregador ou da fé dos ouvintes, nas quais as duas metades da promessa não
estão tão intimamente ligadas. Assim foi com os crentes em Samaria, convertidos
após a pregação de Felipe (At 8.5-17), e também com os convertidos que Paulo
encontrou em Éfeso (At 19:1-7). Nesses casos a experiência dos próprios
apóstolos foi repetida. Eles foram reconhecidos como homens regenerados antes
da morte de nosso Senhor (At 20.22), mas foi no Pentecostes que a outra
promessa foi cumprida: “Todos ficaram cheios o Espírito Santo…” (At 2.4). O que
foi visto neles – a graça do Espírito dividida em duas manifestações separadas
– pode ocorrer ainda hoje. Quando nem na pregação da Palavra ou no testemunho
dos crentes a verdade do Espírito de habitação é claramente proclamada, não
devemos ficar admirados de que o Espírito seja somente conhecido e
experimentado como o Espírito de regeneração, da nova vida. Sua presença e
habitação permanecerão um mistério.
Mesmo
quando o Espírito de Cristo em toda a Sua plenitude é derramado uma única vez
como Espírito de habitação, Ele é recebido e apropriado somente na medida de fé
alcançada pelo crente.
O
Espírito primeiro opera de fora, sobre e dentro dos crentes em palavras e
obras, antes que Ele habite neles e se torne sua possessão pessoal interna.
Devemos fazer distinção entre o trabalhar e a habitação do Espírito. Geralmente
se admite na igreja que o Espírito Santo não recebe o reconhecimento que Lhe pertence como sendo
igual ao Pai e ao Filho. Ele é, afinal, a pessoa divina unicamente através de
quem o Pai e o Filho podem ser verdadeiramente possuídos e conhecidos. Nos
tempos da Reforma, o evangelho de Cristo tinha que ser defendido do terrível
equívoco que fez da justiça humana (boas obras) o terreno de sua própria
aceitação. A salvação pela graça divina tinha de ser sustentada. Às épocas que
se seguiram foi confiado o compromisso de edificar sobre esse fundamento e
divulgar o que as riquezas da graça fariam pelo crente. A Igreja descansou
alegremente naquilo que recebeu (salvação pela graça), mas o ensino daquilo que
o Espírito Santo faz a cada crente através de Sua liderança, santificação e
fortalecimento não teve o lugar que deveria ter em nossas doutrinas e vida. De
fato, se revisarmos a história da Igreja, perceberemos que muitas verdades
importantes, claramente reveladas nas Escrituras, foram desprezadas e
esquecidas, mas apenas apreciadas por uns poucos cristãos isolados.
Oremos
para que Deus, em Seu poder, conceda um poderoso operar do Espírito em Sua
Igreja; para que cada filho de Deus possa provar que a dupla promessa está
cumprida: “... porei dentro de vós espírito novo... porei dentro de vós o meu
Espírito...”. Oremos para que retenhamos a maravilhosa bênção do Espírito de
habitação até que todo nosso ser seja aberto à plena revelação do amor do Pai e
da graça de Jesus Cristo.
Essas
palavras repetidas de nosso texto: “dentro de vós; dentro de vós” estão entre
as palavras-chave da nova aliança. A palavra traduzida como dentro não é uma
preposição, mas a mesma que aparece aqui e em outras partes como “seu íntimo” e
“pensamento íntimo” (Sl 5.9 e 49.11). “... porei o meu temor no seu coração,
para que nunca se apartem de mim” (Jr 32.40). Deus criou o coração do homem
para Sua habitação. O pecado entrou e o corrompeu. O Espírito de Deus
empenhou-se em recuperar a posse. Na encarnação e expiação de Cristo a redenção
foi obtida e o reino de Deus estabelecido. Jesus pôde dizer: “Porque o reino de
Deus está dentro de vós” (Lc 17.21). É dentro que devemos procurar pelo
cumprimento da nova aliança, a aliança não de ordenanças, mas de vida.
No
poder de uma vida eterna, a lei e o temor de Deus devem ser estampados em nosso
coração; o Espírito do próprio Cristo deve habitar dentro de nós como o poder
de nossas vidas. Não somente no Calvário, na ressurreição ou no trono deve ser
vista a glória de Cristo, o conquistador, mas em nosso coração. Dentro de nós
deve estar a verdadeira manifestação da realidade e glória de Sua redenção.
Dentro de nós, no íntimo de nosso ser, está o santuário oculto onde a arca da
aliança é aspergida com o sangue. Ela contém a lei escrita num manuscrito
eterno pelo Espírito de habitação, e onde, através do Espírito, o Pai e o Filho
vêm agora habitar.