sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Texto: Fragmentos do livro: A Prática da Presença de Deus - Irmão Lourenço (Nicholas Herman)
A Prática da Presença de Deus
Irmão Lourenço (Nicholas Herman)
Prefácio
Há mais de 300 anos, em um convento na França, um homem descobriu o segredo para viver uma vida de alegria. Com a idade de dezoito anos, Nicholas Herman vislumbrou o poder e a providência Divina através de uma simples lição que recebeu da natureza. Ele passou os dezoito anos seguintes, no exército e no serviço público. Finalmente, enfrentando uma "perturbação no espírito" que frequentemente ocorre na meia idade, entrou para um mosteiro, onde se tornou o cozinheiro e o fabricante de sandálias para sua comunidade. Porém, o mais importante, ali começou uma viagem de 30 anos que o levou a descobrir um modo simples de viver alegremente. Nos momentos difíceis como os atuais, Nicholas Herman, conhecido como o Irmão Lourenço, descobriu e aplicou uma maneira pura e simples de andar constantemente na presença de Deus. O Irmão Lourenço era um homem gentil e de espírito alegre, evitava ser o centro das atenções, sabendo que os entretenimentos externos "estragam tudo". Logo após a sua morte foram reunidas algumas das suas cartas. Frei José de Beaufort, representante local da arquidiocese, juntou estas cartas com as memórias de quatro conversas que teve com o Irmão Lourenço, e publicou um pequeno livro intitulado “ A Prática da Presença de Deus “ . Neste livro, Irmão Lourenço diz, simples e maravilhosamente, a forma de caminhar continuamente com Deus, com uma atitude que não nasce da cabeça, mas a partir do coração. Irmão Lourenço legou-nos um modo de vida que está disponível para todos os que buscam conhecer a paz e a presença de Deus, de modo que qualquer pessoa, independentemente da idade ou das circunstâncias que atravessem, possam praticarem em qualquer lugar e a qualquer momento. Uma das coisas agradáveis com relação à prática da Presença de Deus, é que este é um método completo. Em quatro conversas e quinze cartas, muitas das quais foram escritas para uma freira amiga do Irmão Lourenço, encontramos uma maneira direta de viver na presença de Deus, que hoje, trezentos anos depois, continua sendo prática.
I. Conversação
Vi o Irmão Lourenço pela primeira vez em 3 de
agosto de 1666. Ele me disse que Deus tinha-lhe feito um favor singular
quando se converteu na idade de dezoito anos. Durante o inverno, vendo uma árvore
despojada de sua folhagem, e considerando que em breve voltariam a brotar as suas folhas e depois apareceriam às flores e os
frutos, Irmão Lourenço recebeu uma visão da Providência e do Poder de Deus que
nunca se apagou de sua alma. Esta visão o liberou totalmente do mundo, e
incendiou nele um grande amor por Deus. Tão grande era esse amor que ele
não podia dizer que tinha aumentado nos
quarenta anos que se passaram. Irmão Lourenço disse que ele tinha servido a M. Fieubert,
o tesoureiro, porém com tanta torpeza que quebrava tudo. Desejava ser recebido em um mosteiro pensando que ali poderia
mudar a sua torpeza e as faltas que havia cometido por uma vida mais desperta.
Ali ofereceria a vida e seus prazeres como um sacrifício a Deus, porém Deus o
havia decepcionado, pois a única coisa que tinha encontrado naquele
estado era a satisfação. Devemos reafirmar a nossa vida na realidade da Presença de Deus, conversando
continuamente com Ele. Seria vergonhoso deixar de falar com Ele para
falar e pensar em insignificâncias e em bobagens. Devemos alimentar e nutrir as nossas almas, enchendo-as com
pensamentos enaltecidos sobre Deus, e isso nos encherá de grande alegria por
estarmos dedicados a Ele. Devemos acrescentar e dar vida à nossa fé. É
lamentável que tenhamos tão pouca fé. Em vez de permitir que a fé governe sua
conduta, os homens se entretêm com devoções triviais, que vão mudando
diariamente. Irmão Lourenço disse que o caminho da fé é o espírito da Igreja, e
isso é suficiente para levar a um elevado grau de perfeição. E que devemos nos
entregar a Deus tanto nas coisas temporais como nas espirituais, e procurar a
nossa satisfação apenas no cumprimento de sua vontade, quer seja que Ele nos
conduza a través do sofrimento ou através da consolação. Tudo deveria ser igual
para uma alma verdadeiramente entregue a
Ele. Disse que precisamos de fidelidade nos momentos de aridez espiritual,
insensibilidade e tédio, coisas por meio das quais Deus testa o nosso amor por
Ele; esses momentos são propícios para que façamos bons e eficazes atos de entrega,
atos que devem ser repetidos com frequência para facilitar o nosso progresso espiritual. Dizia ainda que embora ouvisse
diariamente sobre as misérias e os pecados que estão no mundo, estava longe de
se surpreender, pelo contrário, ficava surpreso que não houvesse mais maldade,
considerando-se os males que eram capazes os pecadores. Ele, entretanto, orava
por eles. Mas sabendo que Deus poderia remediar os estragos que fizeram
quando Lhe aprouvesse, ele não se deixava vencer por preocupações como estas. Irmão Lourenço dizia que para chegar à
entrega que Deus requer, temos de vigiar atentamente todas as paixões que se
misturam tanto com as coisas espirituais como com aquelas de natureza mais
bruta. Se desejamos verdadeiramente servir a Deus, Ele nos dará luz com relação
a essas paixões. No final dessa primeira conversa, Irmão Lourenço me
disse que se o objetivo da minha visita fosse discutir sinceramente sobre uma
forma de servir a Deus, que poderia ir vê-lo
quantas vezes quisesse, sem medo de ser inoportuno. Porém se não era esse o
caso, então não deveria visitá-lo mais.
II. Conversação
Irmão Lourenço me disse que ele sempre era regulado pelo amor, sem
atitudes egoístas. E desde que decidiu fazer
pelo amor de Deus o fim de todas as suas ações, tinha encontrado motivos para
estar muito satisfeito com seu método. Também estava satisfeito quando
podia levantar uma folha seca do solo por amor a Deus, procurando apenas a Ele,
e nada mais que Ele, nem sequer buscar os seus favores. Durante muito tempo esteve mentalmente angustiado por acreditar
que seria condenado. Nem todos os homens do mundo poderiam tê-lo persuadido do
contrário. Finalmente raciocinou consigo mesmo desta maneira: não estou
envolvido na vida religiosa exceto por amor a Deus, e tenho me esforçado para
fazer para Ele tudo que faço. Qualquer que seja aminha situação, quer esteja
perdido ou salvo, continuarei sempre a trabalhar exclusivamente por amor
a Deus. Pelo menos vou ter este direito, que até a morte terei feito todo o possível para amá-Lo. Durante quatro
anos tinha ficado com esta angústia mental; e durante este tempo tinha sofrido
muito. No entanto, desde aquele tempo havia vivido em uma liberdade perfeita e
contínua alegria. Colocou seus pecados diante de Deus, tal como eram, para dizer
que não merecia seus favores, mas sabia que Deus iria continuar outorgando seus
favores abundantemente. Irmão Lourenço disse que, a fim de formar o
hábito de conversar com Deus continuamente e de lhe mencionar tudo o que fazemos, a princípio temos de dedicar-nos a Ele
com algum esforço: mas depois de um pequeno período, deveríamos encontrar que o
seu amor nos move a fazê-lo internamente, sem qualquer dificuldade. Ele esperava
que, depois dos dias agradáveis que Deus concedeu-lhe, teria um tempo de dor e
sofrimento. Embora ele não estivesse preocupado com isso, sabendo muito bem que
ele não podia fazer nada por si mesmo, Deus não deixaria de dar-lhe
forças para enfrentar. Quando surgia a oportunidade de praticar uma obra bondosa, se dirigida a Deus, dizendo: "Senhor,
eu não posso fazer isso a menos que me capacites." E então recebia
forças mais do que suficientes. Quando havia
falhado no seu dever, apenas confessava sua falta, dizendo para Deus: "Eu
nunca poderia fazer diferente se me deixares entregue as minhas próprias
forças. É você quem deve impedir a minha
queda, e corrigir o que está errado." Após a confissão, já não sentia
qualquer preocupação com o que foi feito. Irmão Lourenço dizia que com relação a
Deus, temos de agir com a maior simplicidade, falando com Ele franca e
claramente, e implorando sua ajuda em todos os nossos assuntos. Deus nunca havia
falhado em conceder-lhe seu auxílio, e Irmão Lourenço o tinha experimentado com
frequência. Ele disse que tinha sido enviado recentemente para Borgonha, para
comprar a provisão de vinho para a comunidade. Esta tarefa lhe resultava
muito pouco grata, porque ele não tinha qualquer inclinação para o negócio, e
porque era coxo e não poderia lidar com o seu trabalho no barco, a não ser
rodando sobre os barris. No entanto se entregou a essa tarefa e à compra do
vinho, sem qualquer descontentamento. Ele disse que Deus se ocupou desse negócio, e o fez muito bem. Ele
mencionou que no ano anterior tinha sido enviado para Auvergne com a mesma
missão, e embora não pudesse dizer como, tudo tinha resultado muito bem. Da
mesma forma cumpria com seu trabalho na cozinha (a qual por natureza tinha uma
grande aversão), onde tinha se acostumado a fazer tudo por amor a Deus. Durante
os quinze anos que havia trabalhado na cozinha, tudo tinha sido fácil, porque o
fez com a oração e movido pela graça de Deus. Estava muito satisfeito com
a posição que ocupavam agora, mas que estava pronto para voltar a anterior, devido à sempre estar agradando a Deus em
qualquer condição, fazendo as coisas pequenas por amor a Ele. Para o Irmão
Lourenço os momentos de oração, não eram diferentes dos que haviam sido no
passado. Retirava-se para orar, de acordo com as diretrizes do seu
superior, mas não queria esse tipo de retiro nem os solicitava, porque nem o
maior trabalho lhe distraía da presença de Deus. Porque conhecia sua
obrigação de amar Deus em todas as coisas; como ele havia se esforçado para
fazê-lo assim, não necessitava que um
diretor espiritual lhe desse uma ordem, mas sim, que necessitava de um confessor
para lhe absolver dos pecados. Ele disse que era muito sensível com suas faltas,
elas não o desanimavam. As confessava a Deus, sem dar nenhuma desculpa. Quando
o fazia, com toda a paz, restabelecia a sua habitual prática de amor e de adoração. Irmão Lourenço não consultava ninguém
sobre suas inquietudes mentais. Pela luz que lhe dava a fé, ele sabia que Deus
estava presente, então lutava consigo mesmo tratando de dirigir todas as suas
ações para Ele. Tudo o fazia movido pelo desejo de agradar a Deus, aceitando os
resultados que se produziam. Ele disse que os pensamentos inúteis
arruínam tudo, que as dores começam aí. Assim que percebemos a sua impertinência devemos rejeitá-los e voltar à
nossa comunhão com Deus. No começo, frequentemente havia gasto o seu tempo de
oração rejeitando pensamentos erráticos e voltando a cair neles. Nunca tinha
regulado sua devoção por certos métodos como o fazem alguns. No entanto,
inicialmente, tinha praticado meditação durante um tempo, mas depois havia
deixado de lado de uma maneira quase inexplicável. Irmão Lourenço enfatizava
que todas as mortificações corporais e outros exercícios eram inúteis, a menos
que servissem para unir-se com Deus através do amor. Havia considerado bem isto. Constatou que o caminho mais curto para ir
diretamente a Deus era exercitando o amor continuamente através de um exercício
contínuo de amor, e fazendo todas as coisas por amor a Ele. Ele notou que havia
uma grande diferença entre os atos do intelecto e os da vontade. Os atos do
intelecto eram comparativamente de pouco valor. Os atos da vontade eram todos
importantes. Nosso único dever é o de amar Deus e deleitar-nos nEle.
Nenhum tipo de mortificação pode excluir um único pecado, se invalida o amor de Deus. Em vez disso, e sem
nenhuma ansiedade, devemos esperar o perdão de nossos pecados que provem do
sangue de Jesus Cristo, apenas esforçando-se para amá-lo com todo o nosso
coração. Ele observou que Deus parecia ter concedido os maiores favores
aos maiores pecadores, como se fossem monumentos comemorativos de sua misericórdia.
Irmão Lourenço disse que as maiores dores ou prazeres deste mundo não podiam ser comparados com aqueles que
ele havia experimentado nesse estado espiritual. Como resultado de tudo isto, só
desejava uma coisa: não ofender a Deus. Ele disse que não carregava nenhuma
culpa. Quando falho nos meus deveres, reconheço rapidamente, dizendo:
"Estou habituado a fazê-lo assim. Nunca poderei mudar por mim mesmo.
E se não falho, então dou graças a Deus, reconhecendo que isto vem de Deus ”.
III.Conversação
Irmão Lourenço disse-me que a base de sua vida espiritual tinha sido a aquisição pela fé de um alto conceito e valorização de Deus; e depois de terem sido adquiridos, já não tinha nenhum outro cuidado a não ser o de rechaçar fielmente todos os outros pensamentos, para poder assim fazer tudo por amor a Deus. Que quando não tinha nenhum pensamento sobre Deus por um tempo, não se perturbava, porque depois de ter reconhecido este fato lamentável diante de Deus, retornava a Ele com muito mais confiança. Ele disse que a confiança que depositamos em Deus honra ao Senhor enormemente, e faz descer sobre nós grandes graças. Que era impossível não somente enganar a Deus, mas também era impossível para uma alma sofrer durante muito tempo, se é que estava perfeitamente entregue a Ele e determinada a suportar qualquer coisa por amor a Ele. Desta forma o Irmão Lourenço havia experimentado frequentemente o imediato socorro da Graça Divina. E devido a sua experiência com a graça de Deus, quando tinha um trabalho para fazer, não pensava nele com antecedência, mas só quando chegava a hora de fazer, e encontrava como refletido em Deus (como em um espelho, evidentemente) tudo o que era adequado fazer. Quando os trabalhos externos lhe distraiam um pouco de seus pensamentos sobre Deus, uma lembrança fresca proveniente de Deus lhe enchia a alma, e assim era tão inflamado e transportado que lhe resultava difícil conter-se. Ele disse que estava mais unido a Deus em seu trabalho externo, que quando o deixava de lado para retirar-se a fazer as suas devoções. Sabia que no futuro teria uma grande dor física ou mental, e que o pior que podia acontecer era perder esse sentimento de Deus, que tinha desfrutado durante tanto tempo, mas que a bondade de Deus assegurava-lhe que não lhe abandonaria totalmente, e que lhe daria força para suportar qualquer mal que lhe suceder com a permissão de Deus. Portanto, não tinha nenhum medo. Não tinha tido a ocasião de consultar nada sobre seu estado. Que quando ele tentou fazê-lo, sempre tinha saído mais perplexo; e que como estava ciente de sua disposição de dedicar sua vida a Deus por amor a Ele, não tinha nenhum medo do perigo. Que a entrega perfeita a Deus era um caminho seguro ao céu, um caminho no qual temos sempre suficiente luz para saber nos conduzir. Que o principal da vida espiritual, é ser fiel no cumprimento de nossos deveres e negarmos a nós mesmos; e quando o fazemos desfrutamos de prazeres inefáveis: que nas dificuldades somente necessitamos recorrer a Jesus Cristo, e suplicar por sua graça, com a qual tudo chega a ser fácil. Muitos não crescem como cristãos, porque se agarram às penitências e exercícios particulares, mas negligenciam o amor de Deus, que é a meta de tudo. Que isto se manifesta claramente por suas obras, e é a razão por que se vêem tão poucas virtudes sólidas. Que não precisava nem arte ou ciência para ir a Deus, mas apenas um coração resolutamente determinado a não dedicar-se a outra coisa a não ser Deus, do amor a Deus e de amar somente a Ele.
IV. Conversação
Irmão Lourenço conversou comigo com muita frequência, e com grande
abertura de coração, com respeito à maneira
de ir a Deus, o que aliás, já mencionamos alguma coisa. Me disse que tudo
consiste de uma renúncia de coração a todas as coisas que nos impedem de chegar a Deus. Podemos nos acostumar a
conversarmos continuamente com Ele com liberdade e simplicidade. Para nos
dirigirmos a Ele a cada momento, só necessitamos reconhecer que Deus está
intimamente presente conosco, e que podemos pedir sua ajuda para conhecer a sua
vontade em coisas duvidosas, e fazer corretamente aquelas coisas que nós
compreendemos claramente que Ele exige de nós. Na nossa conversa com Deus,
devemos também louvá-lo, adorá-Lo e amá-Lo pela sua infinita bondade e
perfeição. Sem desanimarmos pela soma dos nossos pecados, devemos orar pedindo
sua graça com uma perfeita confiança, acreditando nos méritos infinitos do nosso
Senhor, porque Deus nunca deixa de oferecer continuamente sua graça. Irmão Lourenço viu isso muito claramente. Deus jamais
deixou de oferecer sua graça, exceto quando os pensamentos do Irmão Lourenço
começavam a divagar e perdiam seu sentido da presença de Deus, ou quando se
esquecia de pedir Sua ajuda. Quando não temos outro propósito na vida
exceto o de agradar-Lhe, Deus sempre nos dá luz em nossas dúvidas. A nossa santificação não depende de uma
mudança de atividades, mas de fazer para a glória de Deus tudo o que comumente
fazemos a nós mesmos. Pensava que era lamentável ver como muita gente confunde
os meios com o fim, dedicando-se a fazer certas coisas muito imperfeitamente por
causa de suas considerações humanas ou egoístas. O método mais excelente que
havia encontrado para ir a Deus, era fazer as coisas mais comuns sem
tratar de agradar aos homens, mas unicamente por amor a Deus. Irmão Lourenço sentia que era uma grande ilusão pensar que o
tempo dedicado à oração era diferente de outros momentos do dia. Estamos
estritamente obrigados a unirmos a Deus através da ação no momento da ação, e
por meio da oração na hora da oração. Sua própria oração nada mais era que um
sentimento da presença de Deus, quando sua alma não era sensível a nada, exceto
ao Amor Divino. E quando terminava seus momentos dedicados à oração, não
encontrava qualquer diferença, porque permanecia
com Deus, louvando e bendizendo com toda a sua capacidade. Assim passava sua
vida em uma alegria contínua, mas esperava que Deus permitir-lhe-ia algum
sofrimento quando estivesse mais forte. Irmão Lourenço dizia que, de uma vez por
todas, deveríamos colocar toda nossa confiança em Deus e nos entregar
totalmente a Ele, seguros de que não nos decepcionará. Não devemos nos cansar de
fazer as coisas pequenas por amor a Deus, porque Ele não leva em conta o
tamanho da obra, mas o amor com que a realizamos. Que não devemos nos
surpreender se no princípio, falharmos
frequentemente em nossos intentos, mas que ao final adquiriremos um hábito que
naturalmente nos fará agir sem que nos preocupemos com ele, para nosso
maior deleite. A base da religião era a fé, a esperança e a caridade, e se as
praticarmos chegaremos a estar unidos à vontade de Deus. Todo o resto é
de menor importância, e deve ser utilizado
como um meio para chegar a nosso objetivo, e então todo o resto deve ser
absorvido pela fé e o amor. E todas as coisas são possíveis para o que crer,
são menos difíceis para o que espera, e são mais fáceis para o que ama, e
ainda mais fáceis para o que persevera na
prática destas virtudes. O fim de que devemos perseguir é: tornar-se nesta vida,
os adoradores de Deus mais perfeitos que possamos ser, os adoradores que
esperamos ser por toda eternidade. Dizia que quando chegarmos a esse nível
espiritual deveríamos considerar e examinar a fundo o que somos. E então nos encontraríamos dignos de todo o desprezo, e não
merecedores do nome de cristãos, sujeitos a toda sorte de misérias e de inúmeros
acidentes que nos preocupam e causam vicissitudes perpétuas em nossa saúde,
nossos humores, nossas disposições internas e externas. Somos pessoas que Deus
poderia humilhar através de muitas dores e trabalhos, interiores e exteriores.
Após isto, não deveríamos surpreender-nos que os homens nos tentem, se oponham a
nós e nos contradigam. Pelo contrário, devemos nos submeter a essas provas, e
suportá-las tanto como Deus queira, porque são coisas altamente
vantajosas para nós. A maior perfeição a que pode aspirar uma alma, é a
total dependência da Misericórdia Divina. Sendo questionado por alguém de sua
própria comunidade (para quem estava obrigado a abrir-se), sobre o meio pelo
qual ele tinha obtido esse sentimento da
presença de Deus, disse-lhe que, uma vez que ele tinha chegado ao mosteiro havia
considerado a Deus como o fim de todos os seus pensamentos e desejos, como a
meta a qual todos devem aspirar, e na qual todos devem terminar. Ele
lembrou que no início de seu noviciado passava as horas indicadas para oração privada pensando em Deus, tratando de
convencer a sua mente e de impressionar profundamente o seu coração da
existência de Deus, e o fazia melhor por meio dos sentimentos de devoção e por submissão a luz que lhe dava a fé, que por
estudados raciocínios e elaborada meditação. Por este método simples e seguro,
se exercitou no conhecimento e no amor de Deus, resolvendo utilizar seus maiores
esforços para viverem um contínuo sentimento de sua presença, e, se
possível, não esquecer jamais a Deus. Então,
depois de encher a sua mente com o sentimento daquele Ser Infinito, ia
trabalhar na cozinha (porque ele era o cozinheiro da comunidade). Lá, em
primeiro lugar considerava cada uma das coisas que precisava de sua
participação, e quando e como devia ser feita a cada coisa, e antes de iniciar
sua ação dizia a Deus, com a confiança deum filho a seu Pai: "Oh, meu Deus, porque você
está comigo, e porque agora devo, em obediência às suas ordens, aplicar minha mente a
essas coisas externas, eu suplico-lhe conceder-me
a graça de continuar em sua presença, e encaminhar-me para este fim coma sua ajuda. Aceita todos os meus trabalhos, e possui
todos os meus afetos. Enquanto trabalhava
continuava sua conversação familiar com seu Criador, implorando sua graça, e oferecendo a Ele todos os seus atos. Quando
terminava, examinava a si mesmo para ver como tinha cumprido o seu dever. Se viu que tinha
feito bem, dava graças a Deus. Se não
tivesse feito bem, Lhe pedia perdão, e sem desanimar-se, de novo colocava amente em ordem. Então continuava seu exercício da
presença de Deus, como se nunca tivesse
se afastado Dele. "Desta forma", disse ele, "me levantava depois
de minhas faltas, e mediante renovados e
frequentes atos de fé e amor, tenho chegado a um estado no qual é difícil não pensar em Deus, o que no
princípio era difícil me acostumar comisso.
"Porque o Irmão Lourenço tinha encontrado uma vantagem tal em andar na presença de Deus, era natural que a recomendasse a
outras pessoas encarecidamente. Porém o
que é mais surpreendente, seu exemplo era um incentivo mais forte do que qualquer argumento que poderia ser proposto. No seu
semblante se via com tal devoção doce e
calma, que não poderia não afetar aqueles que contemplavam. E não se poderia deixar de ver que, nos momentos de maior aflição no
trabalho na cozinha, ele continuava mantendo suas ideias e inclinações
celestiais. Nunca estava aflito ou ocioso, mas fazia cada coisa no seu devido tempo, com uma calma e tranquilidade
de espírito que não se interrompiam
nunca. Dizia: "Para mim, o tempo de trabalho não é diferente do momento de
oração, e no meio do barulho e alvoroço da minha cozinha, com várias pessoas pedindo coisas diferentes ao mesmo tempo,
tenho uma grande tranquilidade em Deus,
como se estivesse sobre meus joelhos na Santa Ceia".
(...)
I. Conversação
Vi o Irmão Lourenço pela primeira vez em 3 de
agosto de 1666. Ele me disse que Deus tinha-lhe feito um favor singular
quando se converteu na idade de dezoito anos. Durante o inverno, vendo uma árvore
despojada de sua folhagem, e considerando que em breve voltariam a brotar as suas folhas e depois apareceriam às flores e os
frutos, Irmão Lourenço recebeu uma visão da Providência e do Poder de Deus que
nunca se apagou de sua alma. Esta visão o liberou totalmente do mundo, e
incendiou nele um grande amor por Deus. Tão grande era esse amor que ele
não podia dizer que tinha aumentado nos
quarenta anos que se passaram. Irmão Lourenço disse que ele tinha servido a M. Fieubert,
o tesoureiro, porém com tanta torpeza que quebrava tudo. Desejava ser recebido em um mosteiro pensando que ali poderia
mudar a sua torpeza e as faltas que havia cometido por uma vida mais desperta.
Ali ofereceria a vida e seus prazeres como um sacrifício a Deus, porém Deus o
havia decepcionado, pois a única coisa que tinha encontrado naquele
estado era a satisfação. Devemos reafirmar a nossa vida na realidade da Presença de Deus, conversando
continuamente com Ele. Seria vergonhoso deixar de falar com Ele para
falar e pensar em insignificâncias e em bobagens. Devemos alimentar e nutrir as nossas almas, enchendo-as com
pensamentos enaltecidos sobre Deus, e isso nos encherá de grande alegria por
estarmos dedicados a Ele. Devemos acrescentar e dar vida à nossa fé. É
lamentável que tenhamos tão pouca fé. Em vez de permitir que a fé governe sua
conduta, os homens se entretêm com devoções triviais, que vão mudando
diariamente. Irmão Lourenço disse que o caminho da fé é o espírito da Igreja, e
isso é suficiente para levar a um elevado grau de perfeição. E que devemos nos
entregar a Deus tanto nas coisas temporais como nas espirituais, e procurar a
nossa satisfação apenas no cumprimento de sua vontade, quer seja que Ele nos
conduza a través do sofrimento ou através da consolação. Tudo deveria ser igual
para uma alma verdadeiramente entregue a
Ele. Disse que precisamos de fidelidade nos momentos de aridez espiritual,
insensibilidade e tédio, coisas por meio das quais Deus testa o nosso amor por
Ele; esses momentos são propícios para que façamos bons e eficazes atos de entrega,
atos que devem ser repetidos com frequência para facilitar o nosso progresso espiritual. Dizia ainda que embora ouvisse
diariamente sobre as misérias e os pecados que estão no mundo, estava longe de
se surpreender, pelo contrário, ficava surpreso que não houvesse mais maldade,
considerando-se os males que eram capazes os pecadores. Ele, entretanto, orava
por eles. Mas sabendo que Deus poderia remediar os estragos que fizeram
quando Lhe aprouvesse, ele não se deixava vencer por preocupações como estas. Irmão Lourenço dizia que para chegar à
entrega que Deus requer, temos de vigiar atentamente todas as paixões que se
misturam tanto com as coisas espirituais como com aquelas de natureza mais
bruta. Se desejamos verdadeiramente servir a Deus, Ele nos dará luz com relação
a essas paixões. No final dessa primeira conversa, Irmão Lourenço me
disse que se o objetivo da minha visita fosse discutir sinceramente sobre uma
forma de servir a Deus, que poderia ir vê-lo
quantas vezes quisesse, sem medo de ser inoportuno. Porém se não era esse o
caso, então não deveria visitá-lo mais.
II. Conversação
Irmão Lourenço me disse que ele sempre era regulado pelo amor, sem
atitudes egoístas. E desde que decidiu fazer
pelo amor de Deus o fim de todas as suas ações, tinha encontrado motivos para
estar muito satisfeito com seu método. Também estava satisfeito quando
podia levantar uma folha seca do solo por amor a Deus, procurando apenas a Ele,
e nada mais que Ele, nem sequer buscar os seus favores. Durante muito tempo esteve mentalmente angustiado por acreditar
que seria condenado. Nem todos os homens do mundo poderiam tê-lo persuadido do
contrário. Finalmente raciocinou consigo mesmo desta maneira: não estou
envolvido na vida religiosa exceto por amor a Deus, e tenho me esforçado para
fazer para Ele tudo que faço. Qualquer que seja aminha situação, quer esteja
perdido ou salvo, continuarei sempre a trabalhar exclusivamente por amor
a Deus. Pelo menos vou ter este direito, que até a morte terei feito todo o possível para amá-Lo. Durante quatro
anos tinha ficado com esta angústia mental; e durante este tempo tinha sofrido
muito. No entanto, desde aquele tempo havia vivido em uma liberdade perfeita e
contínua alegria. Colocou seus pecados diante de Deus, tal como eram, para dizer
que não merecia seus favores, mas sabia que Deus iria continuar outorgando seus
favores abundantemente. Irmão Lourenço disse que, a fim de formar o
hábito de conversar com Deus continuamente e de lhe mencionar tudo o que fazemos, a princípio temos de dedicar-nos a Ele
com algum esforço: mas depois de um pequeno período, deveríamos encontrar que o
seu amor nos move a fazê-lo internamente, sem qualquer dificuldade. Ele esperava
que, depois dos dias agradáveis que Deus concedeu-lhe, teria um tempo de dor e
sofrimento. Embora ele não estivesse preocupado com isso, sabendo muito bem que
ele não podia fazer nada por si mesmo, Deus não deixaria de dar-lhe
forças para enfrentar. Quando surgia a oportunidade de praticar uma obra bondosa, se dirigida a Deus, dizendo: "Senhor,
eu não posso fazer isso a menos que me capacites." E então recebia
forças mais do que suficientes. Quando havia
falhado no seu dever, apenas confessava sua falta, dizendo para Deus: "Eu
nunca poderia fazer diferente se me deixares entregue as minhas próprias
forças. É você quem deve impedir a minha
queda, e corrigir o que está errado." Após a confissão, já não sentia
qualquer preocupação com o que foi feito. Irmão Lourenço dizia que com relação a
Deus, temos de agir com a maior simplicidade, falando com Ele franca e
claramente, e implorando sua ajuda em todos os nossos assuntos. Deus nunca havia
falhado em conceder-lhe seu auxílio, e Irmão Lourenço o tinha experimentado com
frequência. Ele disse que tinha sido enviado recentemente para Borgonha, para
comprar a provisão de vinho para a comunidade. Esta tarefa lhe resultava
muito pouco grata, porque ele não tinha qualquer inclinação para o negócio, e
porque era coxo e não poderia lidar com o seu trabalho no barco, a não ser
rodando sobre os barris. No entanto se entregou a essa tarefa e à compra do
vinho, sem qualquer descontentamento. Ele disse que Deus se ocupou desse negócio, e o fez muito bem. Ele
mencionou que no ano anterior tinha sido enviado para Auvergne com a mesma
missão, e embora não pudesse dizer como, tudo tinha resultado muito bem. Da
mesma forma cumpria com seu trabalho na cozinha (a qual por natureza tinha uma
grande aversão), onde tinha se acostumado a fazer tudo por amor a Deus. Durante
os quinze anos que havia trabalhado na cozinha, tudo tinha sido fácil, porque o
fez com a oração e movido pela graça de Deus. Estava muito satisfeito com
a posição que ocupavam agora, mas que estava pronto para voltar a anterior, devido à sempre estar agradando a Deus em
qualquer condição, fazendo as coisas pequenas por amor a Ele. Para o Irmão
Lourenço os momentos de oração, não eram diferentes dos que haviam sido no
passado. Retirava-se para orar, de acordo com as diretrizes do seu
superior, mas não queria esse tipo de retiro nem os solicitava, porque nem o
maior trabalho lhe distraía da presença de Deus. Porque conhecia sua
obrigação de amar Deus em todas as coisas; como ele havia se esforçado para
fazê-lo assim, não necessitava que um
diretor espiritual lhe desse uma ordem, mas sim, que necessitava de um confessor
para lhe absolver dos pecados. Ele disse que era muito sensível com suas faltas,
elas não o desanimavam. As confessava a Deus, sem dar nenhuma desculpa. Quando
o fazia, com toda a paz, restabelecia a sua habitual prática de amor e de adoração. Irmão Lourenço não consultava ninguém
sobre suas inquietudes mentais. Pela luz que lhe dava a fé, ele sabia que Deus
estava presente, então lutava consigo mesmo tratando de dirigir todas as suas
ações para Ele. Tudo o fazia movido pelo desejo de agradar a Deus, aceitando os
resultados que se produziam. Ele disse que os pensamentos inúteis
arruínam tudo, que as dores começam aí. Assim que percebemos a sua impertinência devemos rejeitá-los e voltar à
nossa comunhão com Deus. No começo, frequentemente havia gasto o seu tempo de
oração rejeitando pensamentos erráticos e voltando a cair neles. Nunca tinha
regulado sua devoção por certos métodos como o fazem alguns. No entanto,
inicialmente, tinha praticado meditação durante um tempo, mas depois havia
deixado de lado de uma maneira quase inexplicável. Irmão Lourenço enfatizava
que todas as mortificações corporais e outros exercícios eram inúteis, a menos
que servissem para unir-se com Deus através do amor. Havia considerado bem isto. Constatou que o caminho mais curto para ir
diretamente a Deus era exercitando o amor continuamente através de um exercício
contínuo de amor, e fazendo todas as coisas por amor a Ele. Ele notou que havia
uma grande diferença entre os atos do intelecto e os da vontade. Os atos do
intelecto eram comparativamente de pouco valor. Os atos da vontade eram todos
importantes. Nosso único dever é o de amar Deus e deleitar-nos nEle.
Nenhum tipo de mortificação pode excluir um único pecado, se invalida o amor de Deus. Em vez disso, e sem
nenhuma ansiedade, devemos esperar o perdão de nossos pecados que provem do
sangue de Jesus Cristo, apenas esforçando-se para amá-lo com todo o nosso
coração. Ele observou que Deus parecia ter concedido os maiores favores
aos maiores pecadores, como se fossem monumentos comemorativos de sua misericórdia.
Irmão Lourenço disse que as maiores dores ou prazeres deste mundo não podiam ser comparados com aqueles que
ele havia experimentado nesse estado espiritual. Como resultado de tudo isto, só
desejava uma coisa: não ofender a Deus. Ele disse que não carregava nenhuma
culpa. Quando falho nos meus deveres, reconheço rapidamente, dizendo:
"Estou habituado a fazê-lo assim. Nunca poderei mudar por mim mesmo.
E se não falho, então dou graças a Deus, reconhecendo que isto vem de Deus ”.
III.Conversação
Irmão Lourenço disse-me que a base de sua vida espiritual tinha sido a aquisição pela fé de um alto conceito e valorização de Deus; e depois de terem sido adquiridos, já não tinha nenhum outro cuidado a não ser o de rechaçar fielmente todos os outros pensamentos, para poder assim fazer tudo por amor a Deus. Que quando não tinha nenhum pensamento sobre Deus por um tempo, não se perturbava, porque depois de ter reconhecido este fato lamentável diante de Deus, retornava a Ele com muito mais confiança. Ele disse que a confiança que depositamos em Deus honra ao Senhor enormemente, e faz descer sobre nós grandes graças. Que era impossível não somente enganar a Deus, mas também era impossível para uma alma sofrer durante muito tempo, se é que estava perfeitamente entregue a Ele e determinada a suportar qualquer coisa por amor a Ele. Desta forma o Irmão Lourenço havia experimentado frequentemente o imediato socorro da Graça Divina. E devido a sua experiência com a graça de Deus, quando tinha um trabalho para fazer, não pensava nele com antecedência, mas só quando chegava a hora de fazer, e encontrava como refletido em Deus (como em um espelho, evidentemente) tudo o que era adequado fazer. Quando os trabalhos externos lhe distraiam um pouco de seus pensamentos sobre Deus, uma lembrança fresca proveniente de Deus lhe enchia a alma, e assim era tão inflamado e transportado que lhe resultava difícil conter-se. Ele disse que estava mais unido a Deus em seu trabalho externo, que quando o deixava de lado para retirar-se a fazer as suas devoções. Sabia que no futuro teria uma grande dor física ou mental, e que o pior que podia acontecer era perder esse sentimento de Deus, que tinha desfrutado durante tanto tempo, mas que a bondade de Deus assegurava-lhe que não lhe abandonaria totalmente, e que lhe daria força para suportar qualquer mal que lhe suceder com a permissão de Deus. Portanto, não tinha nenhum medo. Não tinha tido a ocasião de consultar nada sobre seu estado. Que quando ele tentou fazê-lo, sempre tinha saído mais perplexo; e que como estava ciente de sua disposição de dedicar sua vida a Deus por amor a Ele, não tinha nenhum medo do perigo. Que a entrega perfeita a Deus era um caminho seguro ao céu, um caminho no qual temos sempre suficiente luz para saber nos conduzir. Que o principal da vida espiritual, é ser fiel no cumprimento de nossos deveres e negarmos a nós mesmos; e quando o fazemos desfrutamos de prazeres inefáveis: que nas dificuldades somente necessitamos recorrer a Jesus Cristo, e suplicar por sua graça, com a qual tudo chega a ser fácil. Muitos não crescem como cristãos, porque se agarram às penitências e exercícios particulares, mas negligenciam o amor de Deus, que é a meta de tudo. Que isto se manifesta claramente por suas obras, e é a razão por que se vêem tão poucas virtudes sólidas. Que não precisava nem arte ou ciência para ir a Deus, mas apenas um coração resolutamente determinado a não dedicar-se a outra coisa a não ser Deus, do amor a Deus e de amar somente a Ele.
IV. Conversação
Irmão Lourenço conversou comigo com muita frequência, e com grande
abertura de coração, com respeito à maneira
de ir a Deus, o que aliás, já mencionamos alguma coisa. Me disse que tudo
consiste de uma renúncia de coração a todas as coisas que nos impedem de chegar a Deus. Podemos nos acostumar a
conversarmos continuamente com Ele com liberdade e simplicidade. Para nos
dirigirmos a Ele a cada momento, só necessitamos reconhecer que Deus está
intimamente presente conosco, e que podemos pedir sua ajuda para conhecer a sua
vontade em coisas duvidosas, e fazer corretamente aquelas coisas que nós
compreendemos claramente que Ele exige de nós. Na nossa conversa com Deus,
devemos também louvá-lo, adorá-Lo e amá-Lo pela sua infinita bondade e
perfeição. Sem desanimarmos pela soma dos nossos pecados, devemos orar pedindo
sua graça com uma perfeita confiança, acreditando nos méritos infinitos do nosso
Senhor, porque Deus nunca deixa de oferecer continuamente sua graça. Irmão Lourenço viu isso muito claramente. Deus jamais
deixou de oferecer sua graça, exceto quando os pensamentos do Irmão Lourenço
começavam a divagar e perdiam seu sentido da presença de Deus, ou quando se
esquecia de pedir Sua ajuda. Quando não temos outro propósito na vida
exceto o de agradar-Lhe, Deus sempre nos dá luz em nossas dúvidas. A nossa santificação não depende de uma
mudança de atividades, mas de fazer para a glória de Deus tudo o que comumente
fazemos a nós mesmos. Pensava que era lamentável ver como muita gente confunde
os meios com o fim, dedicando-se a fazer certas coisas muito imperfeitamente por
causa de suas considerações humanas ou egoístas. O método mais excelente que
havia encontrado para ir a Deus, era fazer as coisas mais comuns sem
tratar de agradar aos homens, mas unicamente por amor a Deus. Irmão Lourenço sentia que era uma grande ilusão pensar que o
tempo dedicado à oração era diferente de outros momentos do dia. Estamos
estritamente obrigados a unirmos a Deus através da ação no momento da ação, e
por meio da oração na hora da oração. Sua própria oração nada mais era que um
sentimento da presença de Deus, quando sua alma não era sensível a nada, exceto
ao Amor Divino. E quando terminava seus momentos dedicados à oração, não
encontrava qualquer diferença, porque permanecia
com Deus, louvando e bendizendo com toda a sua capacidade. Assim passava sua
vida em uma alegria contínua, mas esperava que Deus permitir-lhe-ia algum
sofrimento quando estivesse mais forte. Irmão Lourenço dizia que, de uma vez por
todas, deveríamos colocar toda nossa confiança em Deus e nos entregar
totalmente a Ele, seguros de que não nos decepcionará. Não devemos nos cansar de
fazer as coisas pequenas por amor a Deus, porque Ele não leva em conta o
tamanho da obra, mas o amor com que a realizamos. Que não devemos nos
surpreender se no princípio, falharmos
frequentemente em nossos intentos, mas que ao final adquiriremos um hábito que
naturalmente nos fará agir sem que nos preocupemos com ele, para nosso
maior deleite. A base da religião era a fé, a esperança e a caridade, e se as
praticarmos chegaremos a estar unidos à vontade de Deus. Todo o resto é
de menor importância, e deve ser utilizado
como um meio para chegar a nosso objetivo, e então todo o resto deve ser
absorvido pela fé e o amor. E todas as coisas são possíveis para o que crer,
são menos difíceis para o que espera, e são mais fáceis para o que ama, e
ainda mais fáceis para o que persevera na
prática destas virtudes. O fim de que devemos perseguir é: tornar-se nesta vida,
os adoradores de Deus mais perfeitos que possamos ser, os adoradores que
esperamos ser por toda eternidade. Dizia que quando chegarmos a esse nível
espiritual deveríamos considerar e examinar a fundo o que somos. E então nos encontraríamos dignos de todo o desprezo, e não
merecedores do nome de cristãos, sujeitos a toda sorte de misérias e de inúmeros
acidentes que nos preocupam e causam vicissitudes perpétuas em nossa saúde,
nossos humores, nossas disposições internas e externas. Somos pessoas que Deus
poderia humilhar através de muitas dores e trabalhos, interiores e exteriores.
Após isto, não deveríamos surpreender-nos que os homens nos tentem, se oponham a
nós e nos contradigam. Pelo contrário, devemos nos submeter a essas provas, e
suportá-las tanto como Deus queira, porque são coisas altamente
vantajosas para nós. A maior perfeição a que pode aspirar uma alma, é a
total dependência da Misericórdia Divina. Sendo questionado por alguém de sua
própria comunidade (para quem estava obrigado a abrir-se), sobre o meio pelo
qual ele tinha obtido esse sentimento da
presença de Deus, disse-lhe que, uma vez que ele tinha chegado ao mosteiro havia
considerado a Deus como o fim de todos os seus pensamentos e desejos, como a
meta a qual todos devem aspirar, e na qual todos devem terminar. Ele
lembrou que no início de seu noviciado passava as horas indicadas para oração privada pensando em Deus, tratando de
convencer a sua mente e de impressionar profundamente o seu coração da
existência de Deus, e o fazia melhor por meio dos sentimentos de devoção e por submissão a luz que lhe dava a fé, que por
estudados raciocínios e elaborada meditação. Por este método simples e seguro,
se exercitou no conhecimento e no amor de Deus, resolvendo utilizar seus maiores
esforços para viverem um contínuo sentimento de sua presença, e, se
possível, não esquecer jamais a Deus. Então,
depois de encher a sua mente com o sentimento daquele Ser Infinito, ia
trabalhar na cozinha (porque ele era o cozinheiro da comunidade). Lá, em
primeiro lugar considerava cada uma das coisas que precisava de sua
participação, e quando e como devia ser feita a cada coisa, e antes de iniciar
sua ação dizia a Deus, com a confiança deum filho a seu Pai: "Oh, meu Deus, porque você
está comigo, e porque agora devo, em obediência às suas ordens, aplicar minha mente a
essas coisas externas, eu suplico-lhe conceder-me
a graça de continuar em sua presença, e encaminhar-me para este fim coma sua ajuda. Aceita todos os meus trabalhos, e possui
todos os meus afetos. Enquanto trabalhava
continuava sua conversação familiar com seu Criador, implorando sua graça, e oferecendo a Ele todos os seus atos. Quando
terminava, examinava a si mesmo para ver como tinha cumprido o seu dever. Se viu que tinha
feito bem, dava graças a Deus. Se não
tivesse feito bem, Lhe pedia perdão, e sem desanimar-se, de novo colocava amente em ordem. Então continuava seu exercício da
presença de Deus, como se nunca tivesse
se afastado Dele. "Desta forma", disse ele, "me levantava depois
de minhas faltas, e mediante renovados e
frequentes atos de fé e amor, tenho chegado a um estado no qual é difícil não pensar em Deus, o que no
princípio era difícil me acostumar comisso.
"Porque o Irmão Lourenço tinha encontrado uma vantagem tal em andar na presença de Deus, era natural que a recomendasse a
outras pessoas encarecidamente. Porém o
que é mais surpreendente, seu exemplo era um incentivo mais forte do que qualquer argumento que poderia ser proposto. No seu
semblante se via com tal devoção doce e
calma, que não poderia não afetar aqueles que contemplavam. E não se poderia deixar de ver que, nos momentos de maior aflição no
trabalho na cozinha, ele continuava mantendo suas ideias e inclinações
celestiais. Nunca estava aflito ou ocioso, mas fazia cada coisa no seu devido tempo, com uma calma e tranquilidade
de espírito que não se interrompiam
nunca. Dizia: "Para mim, o tempo de trabalho não é diferente do momento de
oração, e no meio do barulho e alvoroço da minha cozinha, com várias pessoas pedindo coisas diferentes ao mesmo tempo,
tenho uma grande tranquilidade em Deus,
como se estivesse sobre meus joelhos na Santa Ceia".
Texto: fragmento do livro "Aventuras na oração" de Catherine Marshall
(...)
Por que
Deus faz questão de que cheguemos ao ponto de reconhecermos nossa incapacidade
total, antes de responder nossas orações? Uma razão óbvia é que nossa
incapacidade humana é um fato. Deus é realista, e deseja que nós também o
sejamos. Enquanto estivermos nos iludindo, crendo que nossos próprios recursos
podem atender os anseios de nosso coração, estaremos crendo numa mentira. E é
impossível que nossas orações sejam respondidas se baseadas em auto-ilusão e
mentira. Então, qual é a verdade acerca da situação humana? Nenhum de nós teve
qualquer participação nas decisões relativas à nossa origem. Não escolhemos
nosso sexo, nem deliberamos se seríamos japoneses, russos ou americanos; se
seríamos brancos, negros ou amarelos. Tampouco pudemos escolher nossos ancestrais,
nem nossas características físicas. Depois que nascemos, o sistema nervoso
central, que é autômato, passou a controlar todas as nossas funções vitais. Uma
energia que não entendemos bem mantém nosso coração pulsando, os pulmões
funcionando, o sangue circulando, e a temperatura do corpo entre 36 e 37 graus
centígrados. Um cirurgião pode cortar tecidos do corpo humano, mas não pode
absolutamente forçar o organismo a religar os tecidos separados. E nós
envelhecemos automática e inexoravelmente. Auto-suficiência? Impossível! Até
mesmo o planeta onde vivemos... não tivemos parte alguma na sua criação. O
pequeno planeta Terra se acha exatamente à distância certa — cerca de 140
milhões de quilômetros — da estrela que é sua fonte de luz e calor. Se chegasse
mais perto, seríamos destruídos pela radiação solar; se se afastasse um pouco,
morreríamos por congelamento. O equilíbrio entre o nitrogênio e o oxigênio do
ar atmosférico é ajustado para a sustentação da vida; os elementos do solo e a
criação de depósitos de pedras raras — tudo isso ocorre à revelia do homem —
este homem pequenino que se mostra tão orgulhoso e às vezes esbraveja tanto
sobre a superfície da terra. Jesus fez algum comentário acerca disso tudo? Sim.
Como sempre, ele colocou o dedo no âmago da questão: "...sem mim nada
podeis fazer"(Jo 15.5), disse ele. Nada? Isto pode parecer um pouco de
exagero. Afinal de contas, o homem tem feito grandes progressos. Já conseguimos
quase eliminar algumas enfermidades, como a varíola, a peste bubônica, a
tuberculose, a poliomielite, e a maioria das doenças infecciosas infantis.
Aprendemos a controlar, em grande parte, o meio-ambiente; já enviamos homens à
lua. Como podemos considerar isto tudo como incapacidade? A maioria das pessoas
não aprecia muito essa idéia. O culto do humanismo que existe em nossos dias
levou-nos a crer que somos aptos para controlar nosso próprio destino.
Entretanto, Jesus não somente insistiu em afirmar que somos totalmente
incapazes de tudo, mas ele sublinhou essa verdade dizendo que ele também estava
sujeito a ela durante sua vida terrena: "Eu nada posso fazer de mim
mesmo", disse ele aos apóstolos (Jo 5.30). Nisto, como em tudo o mais, ele
apresentava o modelo do homem perfeito. As Escrituras nos revelam, ponto por
ponto, a verdade acerca de nossa incapacidade tanto com relação à vida
espiritual, como à vida física. Sentimos um impulso em direção a Deus. E nós
pensamos que somos nós que estamos indo em busca dele. Mas isto não é verdade.
Jesus disse o seguinte: "Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não
o trouxer."(Jo 6.44.) Desejamos ser salvos de nossos pecados e possuir a
vida eterna. E pensamos que, de algum modo, podemos obtê-la. Não. A verdade é
que "...é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie" (Ef
2.8,9).E quanto às virtudes e graças de que precisamos para obtermos vitórias na
vida cristã — fé, alegria, paciência, paz de espírito, a capacidade de
amarmos as pessoas infelizes e desagradáveis — não há nada que possamos fazer
para criar em nós tais qualidades. Paulo nos diz, em Gálatas 5.22,23, que tais
coisas são dons do Espírito Santo. Não há outro meio pelo qual elas possam ser
adquiridas. "O homem não pode receber cousa alguma se do céu não lhe for
dada." (Jo 3.27.) Esta ênfase dada à nossa incapacidade também é observada
nos escritos dos autores cristãos de outras eras. Vemos, por exemplo, naquela
jóia da literatura do século XVII, no livro do Irmão Lourenço — "A Prática
da Presença de Deus". A impotência humana era o centro em torno do qual
esse irmão carmelita fazia girar seu relacionamento com Deus:
"Quando se lhe apresentava a oportunidade de praticar uma virtude qualquer, ele se dirigia a Deus dizendo: Senhor, eu não posso fazer isso a não ser que Tu me capacites; e então ele recebia força mais que suficiente. "Quando ele fracassava naquilo que era seu dever, apenas confessava sua falha a Deus, dizendo: Se me deixares entregue a mim mesmo, não farei outra coisa senão errar; és tu quem deve impedir minha queda, e consertar o que estiver errado. Depois disso, não pensava mais no fato."
Embora poucos tenham a maturidade espiritual do Irmão Lourenço, contudo há ocasiões na vida em que nos encontramos numa situação que está fora de nosso controle, e achamo-nos presos a circunstâncias que não podemos absolutamente modificar. Quando isso acontecer, acolhamos tais situações de braços abertos! Muitas vezes, é somente aí que nós, espíritos menores, penetramos na verdade da declaração que Jesus fez no décimo quinto capítulo de João: "Sem mim nada podeis fazer." O Dr. Arthur Gossip, que escreveu a explanação do Evangelho de João para o Interpretels Bible, fez um comentário muito interessante acerca deste texto: "Estas são as palavras mais animadoras das Escrituras. .. sem mim nada podeis fazer. Pois é com base no reconhecimento franco de nossa total incapacidade, sem o Senhor, que Cristo... nos dá suas grandes promessas." Grandes promessas, como a gloriosa promessa seguinte, que é suficientemente poderosa para suplantar nossa incapacitação em um milhão de vezes: "... para Deus tudo é possível" (Mc 10.27). Ele está a dizer-nos que um Deus onipotente, transcendente e eminente está acima de tudo e opera através de tudo com muito mais perfeição do que nós sabemos. Se ficássemos apenas com a nossa incapacidade, seríamos como um pássaro que tentasse voar com uma única asa. Mas quando acrescentamos a ela a outra asa — a da capacidade divina — então o pássaro pode alçar-se triunfantemente acima dos problemas e atravessar as nuvens de dificuldades que até então o têm derrotado. Uma história que sempre me impressionou muito foi a do Dr. A. B.Simpson, o famoso pregador de Nova York. Ele fora sempre atormentado por um precário estado de saúde. Sofreu dois esgotamentos nervosos e ainda tinha problemas cardíacos. Quando estava com trinta e oito anos de idade, um médico de Nova York disse-lhe que nunca chegaria aos quarenta.. A declaração daquele médico só conseguiu acentuar seu estado de incapacidade física, que o pastor já conhecia tão bem. Pregar era-lhe um esforço agonizante. Subir ladeiras, mesmo que fracas, causava-lhe sufocação e agonia terríveis. Em desespero — doente no corpo e no espírito — o Dr. Simpson resolveu recorrer à Bíblia para ver exatamente o que Jesus tinha a dizer a respeito de enfermidades. Descobriu que o Senhor sempre considerara a cura como parte integrante de seu evangelho para a redenção total do ser humano. Numa sexta-feira, pouco depois de ter essa revelação, ele resolveu dar um passeio ao campo. Era obrigado a caminhar lenta e penosamente, pois tinha o fôlego curto. Chegando a um bosque de pinheiros, assentou-se numa tora de árvore para descansar. Logo começou a orar, falando a Deus de sua total impotência com relação às suas condições físicas. Mas a este senso de incapacidade ele adicionou a certeza de que Deus sempre desejara uma saúde perfeita para o seu povo. Mais uma vez, atuava aquela poderosa combinação de realidades — minha total incapacidade e tua perfeita capacidade. Então ele pediu a Cristo para entrar nele e se tornar sua vida física e suprir todas as necessidades de seu corpo, daquele instante até que concluísse sua missão neste mundo. "E ali, naquele bosque, consegui um contato com Deus", contou ele mais tarde. "Sentia cada fibra de meu corpo vibrar com a presença do Senhor." Alguns dias depois, Simpson escalou uma montanha de mil metros de altitude. "Quando cheguei ao topo", relatou ele alegremente, "o mundo de fraquezas e temores estava a meus pés. E daquele momento em diante, passei a ter, literalmente, um novo coração dentro do peito. "E tinha mesmo. Nos três primeiros anos, depois de curado, ele pregou mais de mil sermões; e dirigiu, às vezes, até vinte reuniões por semana. Seu testemunho era de que em nem uma só ocasião se sentiu esgotado. E pelo resto da vida, ele se tornou conhecido pela grande quantidade de trabalho que produziu tanto em sermões como em livros e ministério pastoral. Viveu até a idade de setenta e seis anos. Além disso, a obra de Simpson sobreviveu a ele. A Aliança Cristã e Missionária, por ele fundada, ainda hoje é uma imensa força espiritual; seus livros ainda estão sendo reimpressos, e têm se constituído em bênção para milhões de pessoas. Por que é que a oração se torna tão eficaz quando reconhecemos nossa incapacidade pessoal? Primeiro, como já vimos, porque Deus faz questão de que encaremos a verdade acerca da situação humana. Deste modo, nós edificamos nossas orações sobre o firme fundamento da verdade, e não nas bases falsas do auto-engano e das ilusões. Este reconhecimento de nossa incapacidade pessoal também se constitui no modo mais rápido de chegarmos à atitude correta na oração, e que Deus considera essencial. Ele desfere um golpe mortal contra o mais grave pecado — seu senso de independência que leva o homem a ignorar o Senhor. Outra razão é que enquanto estivermos confiados em nós mesmos ou em outras pessoas, não podemos aprender de Deus diretamente — como Ele é, como é seu amor por nós como indivíduos e seu poder real. E o verdadeiro objetivo da vida é a comunhão com Jesus, a qual também é o único fundamento para a eternidade. Esta comunhão diária que ele nos oferece é muito real.
Fonte: http://pt.scribd.com/doc/16749645/AVENTURAS-NA-ORACAO-Catherine-Marshall
terça-feira, 5 de novembro de 2013
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Texto: MAR DA GALILEIA.
MAR DA GALILEIA.
Mesmo quem não é cristão conhece a histórica caminhada de Jesus sobre as águas, o tempo em que ele viveu entre pescadores e a famosa multiplicação de pães e peixes para mais de 5 mil pessoas. O cenário dessas importantes passagens bíblicas ainda existe: o Mar da Galileia, também conhecido como Mar de Tiberíades, ou ainda Lago Kineret ou de Genesaré. É abastecido pelo rio Jordão, o mesmo no qual Jesus foi batizado por seu primo João Batista.
Ao redor dele estão importantes cidades, também palcos de célebres passagens bíblicas e berços de importantes personagens que conviveram com o próprio Redentor. Na região, pelo menos cinco apóstolos nasceram e viveram, assim como Maria Madalena. Ali também aconteceu o Sermão da Montanha. Foi nas margens do Mar da Galileia que Jesus recrutou quatro de seus 12 apóstolos entre os pescadores: Simão (rebatizado Pedro), seu irmão André e outros dois irmãos, João e Tiago. As mesmas águas foram acalmadas pelo próprio Jesus em meio a uma grande tempestade, à qual ele pôs fim. Após este episódio, chegando à margem, o Messias libertou dois possuídos, expulsando os demônios que estavam neles e mandando-os para uma manada de porcos ali próximos, que se jogaram de um barranco nas águas (leia Mateus 8:28-33) – o mesmo barranco está assinalado até hoje, visitado por muitos cristãos.
Com 166 quilômetros quadrados, o grande lago é a maior massa de água doce de Israel, com profundidade máxima de 43 metros. A 209 metros abaixo do nível do mar, é o segundo lago mais baixo do mundo, perdendo apenas para o Mar Morto (também um lago, mas de água salgada).
Se antes a pescaria era a principal atividade econômica, hoje o turismo é a principal geradora de renda local, atraindo visitantes tanto cristãos quanto judeus, além dos árabes dos países próximos.
Falando em pescaria, muitos estudiosos acreditam que os peixes que Jesus usou na multiplicação foram as famosas tilápias, hoje presentes em várias culturas ao redor do mundo pela facilidade de criação em cativeiro. Por isso encontramos, mesmo em supermercados brasileiros, os hoje bastante comuns filés de St. Peter – em inglês, Peter equivale a Pedro, em alusão ao apóstolo “pescador de homens”. O St. Peter – tilápia vermelha – é muito apreciado por ter sabor e cheiro leves e ser muito versátil em diferentes receitas.
Na cidade de Ginosar, originada de um antigo kibutz (fazenda comunitária), está um barco do século 1 como os usados na época de Cristo. Descoberto em 1986 na lama do fundo do lago, bem próximo à margem, hoje está exposto no Museu Beit Yigal Allon.
Mais um exílio
No ano 135, Roma dominava Jerusalém. Os judeus se revoltaram contra o domínio dos Césares na famosa revolta de Bar Cosiba. O resultado não foi agradável para os revoltosos: foram expulsos de Jerusalém, centro religioso e histórico de sua cultura, e transferiram-se para a região do Mar da Galileia.
Ao longo dos séculos, com as constantes invasões árabes e a longa ocupação turco-otomana na região (que perdurou até o final da Primeira Guerra Mundial, no século passado), a Galileia com características dos tempos da Bíblia foi quase toda destruída, e hoje restam apenas ruínas das outrora importantes cidades, atualmente pontos de turismo histórico.
Harpa
Em hebraico o lago é chamado de Kineret, que significa harpa, devido ao seu formato. Os israelenses, conscientes da importância do lago para eles, se orgulham em preservá-lo. Um slogan muito conhecido no país é: “Ein lanu kineret acheret” (“Nós não temos outro Kineret”), enfatizando a importância de a população do país, localizado em meio a desertos, cuidar de sua maior fonte de água doce. Além da água, lá são pescados cerca de mil toneladas de peixe por ano.